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sexta-feira, outubro 06, 2006

Expressões e conceitos latinos



Breve contextualização

Como sabemos todo o direito contém variadíssimas expressões latinas, às quais, ainda hoje, os administradores e gramáticos das várias áreas do direito recorrem. O direito canónico não é excepção. Mas porquê o latim? O direito enquanto ciência da vida prática do homem nasceu em Roma, na altura do grande império romano, onde o latim era a língua universal do Ocidente. Foi em Roma que surgiu o primeiro Código de Direito Civil com Justiniano aliado à mentalidade pragmática do povo romano. Este Código viria séculos mais tarde a dar origem ao Código de Direito Canónico, não tal como o conhecemos agora, mas já com as formas que mais tarde seriam sistematizadas e organizadas. A língua surge assim como veículo cultural e de incrementação universal a um espaço alargado que ia muito além das muralhas da capital do Império. Será o latim uma língua morta? O direito prova que não, pois os conceitos e expressões latinas continuam a ser abundantemente usados quer pelo direito prático e funcional, quer pelo direito académico e teórico. Frequentemente essas expressões são usadas ou devido à não existência na língua vernácula de melhores termos para se dizer claramente o que se pretende, ou então para se mostrar um certo diletantismo intelectual!


Algumas fontes de pesquisa

Código de Direito Canónico, Constituição Apostólica «Sacrae disciplinae leges», Braga 1997.
Gianfranco GHIRLANDA, O direito na Igreja mistério de comunhão, 2ª ed., S.Paulo, Madrid 1992.
http://www2.uol.com.br/michaelis/expressoes.htm.
members.tripod.com/jurisdictio/exprlat.htm.
Dicionário Latim-Português, Porto Editora.
Apontamentos das aulas.

Algumas expressões latinas


1- Sacrae disciplinae leges (trad.: As leis da disciplina sagrada)

– É o nome da Constituição Apostólica do Papa João Paulo II pela qual se promulga o Código de Direito Canónico, conjunto das normas e leis eclesiásticas da Igreja Católica. Leis estas que foram sendo renovadas e reformadas ao longo dos séculos, embora mantendo a fidelidade à divina revelação, cuja última actualização sistematizada ocorreu em 25 de Janeiro de 1983. Nele estão inseridas as leis eclesiásticas vitais para toda a Igreja latina. É certo que essas leis se revestem de um pressuposto jurídico, no entanto, elas não são meramente humanas, pois são fruto quer dos dados da Divina Revelação quer dos dados fornecidos pela Tradição. Essas leis traduzem a forma de regular e ordenar toda a vida eclesiástica na fidelidade à lei do amor.

2- Corpus juris canonici (trad.: Código do Direito Canónico); canon, onis: para além do sentido de regra ou norma geral, significa o conjunto dos livros sagrados reconhecidos pela Igreja como de inspiração divina. Daí o direito eclesiástico se basear na Revelação e nas leis de Deus dadas aos homens.

– representa o conjunto de leis eclesiásticas codificadas por São Pio X e promulgadas pelo Papa Bento XV (Const. apos. Providentissima Mater) em 1917. O Concílio Vaticano II encarregou uma comissão de reformá-lo. Primeiro em 1963 por João XXIII, e finalmente em 1983 por João Paulo II (com a Constituição Apostólica Sacrae disciplinae leges). Este “corpus” para além de apresentar os aspectos fundamentais hierárquicos e a orgânica da Igreja bem como as principais normas relativas ao múnus apostólico da Igreja, ele deve definir as formas de conduta do comportamento dos indivíduos.

3- Ubi homo, ibi societas (trad.: Onde está o homem, aí está a sociedade); a palavra homem em latim tem duas designações possíveis: homo, inis (homem no sentido da sua humanidade e universal); e vir, iris (virilidade, isto é, homem no sentido de género).

– é uma afirmação que procura pôr em relevo o carácter relacional do ser humano. A relação de sujeitos em sociedade e em sociabilidade é o que melhor define a essência do homem. Podemos afirmar que cada um é representante legítimo do outro, pois o homem individual só o é em relação a outros, a uma pluralidade de outros homens. Mas então em que contexto do direito surge esta expressão? A isto poderemos responder com outra expressão latina (4) “ubi societas, ibi ius; ergo, ubi homo, ibi ius (Onde está sociedade, aí está o direito, então, onde está o homem, aí está o direito); quer dizer que o homem é um ser relacional e relacionável em sociedade, dentro da qual existem regras e normas de responsabilização, isto é, bens, valores e direitos pessoais. Todo o homem, na sua própria liberdade, se encontra perante o dilema de fazer escolhas, mas só as faz responsavelmente quando advêm de uma necessidade estrutural de conter uma relação comprometida com o outro. Sumariando as expressões, encontramos um tríptico esquemático: Homem (eu) – Sociedade (outro) – Direito (norma).

5- Constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi (trad.: a justiça (o direito) é a vontade constante e perpétua de dar (atribuir) a cada um o que é seu); jus, juris: direito.

– principio de Ulpiano (séc.II) proferido na sua obra Digesta I,1. Ius suum procura dizer a justiça distributiva e comutativa (ou sinalagmática no sentido de um contrato bilateral), sendo um dos princípios base do direito natural que, por sua vez, se traduz numa exigência moral de sociabilidade do homem. Assim, insiste na permuta do dar e do receber. Deste modo a justiça estará em fazer com que um possa exigir legitimamente do outro, mas com fundamento por forma a não lesar os seus direitos. A justiça torna-se assim um quadro de reciprocidade e de garantias relacionais. Por este meio estão dadas as garantias de cada um poder realizar-se como pessoa no encontro com os outros. Contudo, há um substracto de objectividade no qual a certeza do direito se actualiza.
João Paulo Brito da Costa
4ºano de Teologia