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segunda-feira, novembro 13, 2006

Resumo do Comentário Doutrinal feito pelo Cardeal Ratzinger ao motu próprio de João Paulo II, “Ad Tuendam Fidem”.


O Cardeal Ratzinger começa por afirmar que, desde o seu início, a “a Igreja tem professado a fé no Senhor, crucificado e ressuscitado, e tem reunido os conteúdos fundamentais da sua crença em certas fórmulas” (nº.1). Contudo, essas mesmas fórmulas que, num primeiro estado eram simples, foram-se desenvolvendo em fórmulas mais completas que continuam a “dar vida” a esse mistério fundamental que é transmitido desde os ensinamentos de Cristo. O Novo Testamento é testemunha da primeira profissão de Fé, feita pelos discípulos logo a seguir aos acontecimentos da Páscoa (1 Cor. 15, 3-5).
Ao longo dos séculos, a partir destas fórmulas fundamentais que testemunham Jesus como filho de Deus e como Senhor, se formaram símbolos que testemunham a unidade da fé e a comunhão das igrejas. É aqui que se reúnem as verdades fundamentais que são professadas. É a partir destas que os catecúmenos, antes de receberem o baptismo, fazem a sua profissão de fé.
Também os Padres, no sentido mais lato do termo, ao longo dos concílios, tendo em conta mudanças históricas ou a defesa da ortodoxia dessas verdades, procederam a novas formulações “que ocuparam um lugar especial dentro da vida da Igreja” (nº.2). Contudo nenhuma destas novas formulações supera ou elimina as anteriores mas, por outro lado, expressa a riqueza desta fé única, expressa numa diversidade de símbolos. Ambas surgem em circunstâncias diferentes, tendo cada uma, por isso, uma riqueza própria.
Estas sucessivas alterações entendem-se também pela assistência do Espírito Santo, ao longo dos tempos, na Igreja, confirmando a promessa feita por Cristo. O Espírito tem a missão de “guiar a Igreja na verdade”, e na redescoberta do mistério de Cristo, o que leva a novas compreensões. Contudo, há ainda outras verdades que, necessitando de uma compreensão ainda mais profunda, esta só se obtém através “do que Deus, no Seu mistério de amor, aprouver revelar ao homem para sua salvação” (nº.3). Contudo, recentemente, a Igreja estabeleceu a obrigação de que certos membros da fé cristã, quando chamados a assumir determinados cargos na comunidade em nome da Igreja, façam uma profissão de fé (pública) de acordo com a fórmula aprovada pela Sé Apostólica. Esta fórmula, que começa com o símbolo niceno-constantinoplitano, termina com três parágrafos que pretendem, de forma expositiva, distinguir uma certa hierarquia de verdades a que o crente deve aderir.
Este motu próprio surge assim como necessidade evidente de reafirmar o dever do crente em “permanecer fiel à verdade revelada (ou proposta pelo magistério) e de levar uma vida santa e a obrigação de conservar a comunhão com a Igreja e com Deus…” (Ghirlanda, 41). Há a necessidade de compreender, receber e preservar integralmente as indicações do Magistério da Igreja.
No primeiro parágrafo afirma-se: “Creio também com fé firme em tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida por Tradição, e que a Igreja, quer com juízo solene, quer com magistério ordinário e universal, propõe para se crer como divinamente revelado”. O objecto deste parágrafo é constituído por todas as doutrinas da fé divina e católica, que a Igreja propõem como divinas e formalmente reveladas e irreformáveis. São doutrinas que estão contidas na palavra de Deus, escrita ou transmitida oralmente, e definida como verdades reveladas por um juízo solene, através do Romano Pontífice quando se pronuncia ex catedra, através dos bispos reunidos em Concílio, ou ainda quando é proposto para crença através do Magistério ordinário e universal (nº.5) são verdades que devem ser aceites com fé divina e católica, estando os casos de desobediência e heresia previstos no cânone referente (1371). Estão aqui contidas, fundamentalmente, as verdades do depósito da fé que devem ser acreditadas como doctrines de fide credenda.
No número 11 deste documento o Cardeal Ratzinger dá alguns exemplos de doutrinas relativas a este parágrafo, como por exemplo: os artigos de fé do credo; os vários dogmas cristológicos e mariológicos; a doutrina referente à instituição dos sacramentos por Cristo e a sua eficácia com o auxílio da graça; a doutrina da presença real e substancial de Cristo na Eucaristia e a natureza sacrificial da mesma; a fundação da Igreja por Cristo; a doutrina da infalibilidade papal e o seu primado; a doutrina do pecado original, etc.
No segundo parágrafo da profissão de fé, afirma-se que: “Firmemente aceito e creio também em todas e cada uma das verdades que dizem respeito à doutrina em matéria de fé ou costumes, propostas pela Igreja de modo definitivo”. Esta afirmação constitui a grande novidade já que implica um assentimento a todos os ensinamentos provenientes da área moral ou dogmática que, não sendo, contudo, propostas pelo Magistério como formalmente reveladas, são dignas de fé. Mas se, no caso anterior, falávamos de de fide credenda, aqui falamos em doctrines de fide tenenda, isto é, com fé firme (na acção do Espírito Santo na Igreja). Estas verdades não fazem parte da revelação propriamente dita, pelo menos numa fase inicial, mas podem ser de várias naturezas (nº. 7) e qualidades, de acordo coma sua relação com a Revelação. Contudo, este elenco de verdades está ligado à Revelação por razões históricas ou consequência /conexão lógica. De facto, é por esta íntima relação à revelação que estas verdades têm um carácter definitivo. Contudo, nada impede que algumas destas verdades possam, com o progressivo desenvolvimento dogmático e da interpretação das mesmas, vir a ser consideradas, e proclamadas pelo Magistério, posteriormente, como Revelação Divina.
É neste caso que surge o 2º parágrafo do cânone 750 que visa, de forma clara, chamar a atenção para estas verdades conexas com a revelação divina (ver nº. 3 e 4 do motu próprio).

Cânone 750
§2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Neste caso, o Magistério da Igreja procura ensinar uma doutrina para se crer como divinamente revelada ou se aceitar de modo definitivo; essa definição pode acontecer como um acto definitório (através de um pronunciamento papal ex cathedra, ou por um concílio ecuménico), ou não definitório (em que a doutrina é ensinada infalivelmente pelo magistério ordinário e universal dos Bispos dispersos pelo mundo mas em comunhão com o Sumo Pontífice). Essa doutrina pode ainda ser confirmada pelo Papa sem recorrer a uma definição solene, declarando de forma explícita que essa verdade pertence ao ensinamento do Magistério quer como verdade divinamente revelada, quer como verdade da doutrina católica. Por isso a confirmação ou reafirmação por parte do Papa não é uma nova definição dogmática mas a atestação formal de uma verdade que já era possuída, ensinada e acreditada infalivelmente. O cardeal Ratzinger dá alguns exemplos destas verdades como por exemplo: a infalibilidade papal; a reserva da ordenação sacerdotal apenas aos homens (não sendo um dogma, esta posição está fundada na Tradição da Igreja bem como na Sagrada Escritura; esta doutrina pode ainda vir a ser definida como doutrina a ser acreditada como divinamente revelada.); a doutrina relativa à ilicitude da eutanásia, que tem referencias vagas na Sagrada Escritura, e que foi referida na Evangelium Vitae; a legitimação da eleição do Sumo Pontífice; a celebração de um concílio ecuménico; as canonizações, etc.
No terceiro parágrafo da profissão de Fé afirma: “Adiro além disso, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, às doutrinas que o Romano Pontífice ou o Colégio dos Bispos propõem, quando exercem o seu magistério autêntico, mesmo que não as entendam proclamar com um acto definitivo". Este parágrafo resume-se à aceitação das orientações do Magistério da Igreja quer sejam apresentadas como verdadeiras ou como certas mesmo sem uma aprovação solene. Os fiéis devem assim evitar ir contra essas orientações, se não for por assentimento de fé, seja ao menos por “obséquio religioso da inteligência e da vontade” (c. 752). Por isso “tuto doceri non potest”. Quanto a exemplos, neste caso, podemos elencar os ensinamentos propostos pelo Magistério autêntico ordinário, de modo não definitivo. A adesão a estes depende da mente e vontade manifestadas que “se deprende sobretudo ou da natureza dos documentos ou da proposição frequente da mesm doutrina ou do teor da expressão verbal” (nº. 11).
O cardeal Ratzinger acaba a sua reflexão referindo que da confissão baptismal do eu creio, se passa à afirmação eclesial nós cremos. Através dos diversos símbolos da fé o crente experimenta a profissão de Fé de uma Igreja inteira. Por isso, os vários símbolos são revelação de uma caminhada longa de fé ao encontro do verdadeiro encontro com o Senhor. Por outro lado é manifestação da constante e progressiva revelação do Espírito Santo que guia, vivifica e acompanha a Igreja na sua caminhada rumo à plenitude da verdade.



Pedro Daniel Faria Marques
3º Ano de Teologia
Nº. 747