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quarta-feira, outubro 18, 2006

Síntese da aula de 17 de Outubro de 2006

Nesta aula, continuámos a debruçar-nos sobre o Direito Canónico na vida da Igreja, nomeadamente sobre o fundamento eclesiológico do Direito eclesial que parte da noção de Igreja enquanto comunhão, inspirada no Vaticano II mas com raízes mais profundas. Com efeito, a comunhão que a Igreja apresenta e representa assenta na categoria neotestamentária da koinonía, depois burilada pelos Padres da Igreja, recuperada pelo Vaticano II e vertida no Código de 1983. Num segundo momento – consequente -, demos o passo para uma primeira abordagem da Igreja como sacramento.
Partindo da Pessoa de Jesus, que a transmitiu à Igreja, Seu corpo místico, a koinonía (cf. Act 2, 42-47), apresenta-se antes de mais como comunhão com o Pai mediada pela comunhão com o Filho (cf. 1 Cor). O Espírito Santo visibiliza esta comunhão espiritual, alargando-a aos fiéis que aderem a Cristo, através da solidariedade, colaboração e dinamismo evangelizador encarnados pela e na tradição apostólica. Como primeira conclusão a extrair, temos, portanto, que a comunhão com Deus funda a comunhão eclesial e que uma não existe sem a outra.
Ora, o estar em comunhão não implica a diluição dos envolvidos no marasmo do anonimato. Pelo contrário, a comunhão da Igreja exige a diferenciação de sujeitos. Estamos no coração dos ensinamentos que nos foram legados pela tradição apostólica e, se queremos perceber um Direito eclesial fundado sobre a rocha da Revelação e da Tradição, devemos entrar nesta mesma lógica, ou seja, considerar que a Igreja está em continuidade com o seu Fundador e que assenta sobre o alicerce dos apóstolos, mediante a legítima sucessão.
É por isso diversa a tradição tal como a entendem os judeus (repetição do passado até à restauração definitiva) e no sentido cristão, que a concebe como acção livre do Espírito que anima a Igreja, já não tanto na dependência directa do Livro. Foi este o sentido das palavras endereçadas por Paulo VI ao Tribunal da Rota Romana quando, em discurso de 8 de Fevereiro de 1973, disse que "o Direito eclesial não pode ser senão uma acção do Espírito, ele é também espiritual". Na "comunhão de todos os crentes", a Tradição, avessa a monolitismos, exprime a fidelidade da Igreja ao sopro de Deus, no contexto da evolução histórica. Daí que possamos formular uma segunda conclusão: que a tradição apostólica é elemento constitutivo da fé cristã, vinculando os fiéis à sua autoridade e ajudando a construir a Igreja.
Neste ponto, e na esteira dos Padres, chegámos a uma definição de comunhão como "instituição sacramental jurídica", nos antípodas de um vago sentimento, que nem de pertença o será. Instituição porque referida ao conjunto de relações intersubjectivas motivadas pela fé e pelos costumes; sacramental porque assinalada pelo Baptismo, a Eucaristia e a Ordem; jurídica porque, dadas e aplicadas pela autoridade, as normas que objectivam a acção do Espírito ganham força jurídica.
No século XX, impulsionado pelo movimento ecuménico, as tentativas de descentralização, o lugar "conquistado" pelas igrejas particulares e a renovação eclesiológica em geral, o Vaticano II chega, na LG (cf. 1), à definição da Igreja como sacramento da união de Deus com os homens e dos homens entre si. Ideia depois reforçada no Sínodo de 1985.

Miguel Miranda (5º ano de Teologia – nº 751)