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quinta-feira, novembro 23, 2006

Comentário exegético ao cânone 10

Cânone 10

Irritantes aut inhabilitantes eae tantum leges habendae sunt, quibus actum esse nullum aut inhabilem esse personam expresse statuitur.

Apenas se devem considerar irritantes ou inabilitantes as leis em que se estabelece expressamente que um acto é nulo ou a pessoa inábil.

CIC 1983, cân 10.

Fonte:

Irritantes aut inhabilitantes eae tantum leges habendae sunt, quibus aut actum esse nullum aut inhabilem esse personam expresse vel aequivalentur statuitur.

Apenas se devem considerar irritantes ou inabilitantes as leis em que se estabelece expressa ou equivalentemente que um acto é nulo ou a pessoa inábil.

CIC 1917, cân. 11.

Cânones conexos:

14, 15 §1, 39, 124-127, 1156, 1161, 1620-1622.

Introdução

O princípio das leis irritantes e inabilitantes, que este cânone (cân.) consagra, é um dos princípios característicos do Direito Canónico e contrasta com os ordenamentos estatais.
As leis irritantes e inabilitantes existem no ordenamento canónico, porque uma das possibilidades da lei é atribuir a invalidez/nulidade a um acto jurídico por defeito do acto ou incapacidade das pessoas que o realizam. Assim sendo, enquanto a lei irritante pode atribuir a invalidade de um acto pelo incumprimento de um requisito formal que o próprio direito estabelece para a constituição do acto, a lei inabilitante pode atribuir a invalidade de um acto pelo incumprimento de uma exigência de ordem pessoal que o Direito julga que deve possuir o sujeito que realiza o acto.
A lei irritante estabelece nulo um acto que ou já o é pela sua índole natural (eleição onde há mais votos que votantes – cfr. cân, 173 §3), ou porque a lei estabelece certos elementos para obter a definição do acto, ou porque a lei quer proibir algo com tal força que invalida o acto proibido (a promessa de um oficio – cfr. cân. 153 §3), ou porque quer exigir garantias de que se realize bem um acto, que considera canonicamente inexistente se realiza-se sem as formalidades que prescreve (a forma canónica da celebração do matrimónio – cfr. cân. 1108 §1; a citação de pelo menos dois terços dos eleitores ou a assistência de todos eles – cfr. cân. 166 §2).
A lei inabilitante estabelece a nulidade do acto em função da pessoa que o realiza porque não reúne as condições que a lei requer, seja por incapacidade natural de actuar humanamente (inabilidade para votar – cfr. cân. 171 §1) , ou de actuar de conformidade com aquilo com o que se comprometeu (a impotência para casar-se – cfr. cân. 1084 §1), ou presumida incapacidade de realizá-lo (idade para contrair matrimónio - cfr. cân. 1083 §1), ou porque quer garantir algo, como uma mínima maturidade de juízo, em quem actua (a maioria de idade para professar – cfr. cân. 656 §1), ou uma preparação devida (realização do noviciado para poder professar - cfr. cân. 656 §2), ou a perseverança no estado de vida assumido livremente.
É de salientar, que a pessoa inábil pode ser feita hábil por concessão expressa da lei (cfr. cân. 1196), por delegação da autoridade competente (cfr. cân. 85 e 89) ou por dispensa da causa que origina a inabilidade (cfr. cân. 1085 com 1142).
É de referir que os dois tipos de lei supracitados pertencem a mesma categoria pois o efeito que produzem e a finalidade (proteger o bem publico, objectivo e externo) é a mesma.
Este tipo de leis não ficam afectadas por condições subjectivas de ignorância (cfr. cân. 15 §1), contudo podem ser enfraquecidas pela dúvida de direito (cfr. cân. 14).

Sentido canónico da nulidade textual

Nem toda a irregularidade, desajuste formal, ilegalidade, ilegitimidade dos actos produz a nulidade. Assim sendo, devido ao carácter abominável dos efeitos da invalidez ou da inabilidade, um acto jurídico só pode ser considerado nulo quando exista uma cláusula de invalidez ou inabilidade no Direito positivo. A nulidade dos actos contra legem não é uma regra, mas uma excepção. Sempre que os actos respeitem as condições naturais do obrar humano, valem também no Direito.
Assim sendo, toda a lei para ser irritante ou inabilitante tem que dizer expressamente, e não equivalentemente, como permitia que o CIC de 1917, que um acto é nulo ou uma pessoa inábil. Um requisito só é invalidante quando está expresso, por isso o carácter expresso da invalidez deve manifestar-se sem equivalência, ou seja, deve evitar as expressões como no potest, non competit, sine licentia non agat, arceaatur, …
As clausulas expressas de irritação ou inanibilidade são inhabilis est , irritus est, invalidus est, nullus est, ad validitatem requiritur, ut validus sit, vim non habet, effectum non sortitur, …

Invalidez e inexistência do acto canónico

No CIC falta uma concepção homogénea sobre a validade dos actos jurídicos. A nulidade de um acto é entendida, em algumas circunstâncias, como a não existência desse acto por causa da ausência de um dos seus elementos fundamentais, e noutras circunstâncias como nulidade por prescrição do Direito positivo que pode ser sanável ou não sanável. Devido a esta junção de duas categorias num só termo resulta complexo interpretar o cân. 10.
Entre o cân. 124 §1, que estabelece as condições necessárias para a validade de um acto jurídico, e o cân. 10 parece haver uma divergência. No cân. 124 §1 a validade dos actos enlaça com os elementos essenciais e os requisitos do Direito positivo, por sua vez o cân. 10 só atende aos requisitos do Direito positivo.
Pelo que foi abordado acima, surge a necessidade de distinguir entre nulidade e inexistência, apesar de nem todos os autores estarem de acordo com esta distinção. Um acto é inexistente quando padece da ausência de elementos essenciais e que por isso carecem de efeitos. Estes actos inexistentes não oferecem ao Direito base alguma para serem corroborados porque são infectum (não feitos). Um acto só deve ser declarado inexistente quando é um atentado contra a razão (casamento homossexual, contrato unilateral…), quando existe uma ausência dos pressupostos absolutos de capacidade (cfr. cân. 1095), quando falta o objecto (cfr. cân. 153 §1), quando há uma ausência de vontade (cfr. cân. 125 §1), quando há falta de causa (cfr. cân. 90) ou quando há falta da forma substancial constitutiva (cfr. cân. 654).
O cân. 10 tem como função advertir sobre a invalidez e não sobre a inexistência. Sem embargo, é possível, ainda que seja desnecessário, que certos capítulos de inexistência estejam apetrechados na lei com cláusulas de invalidez (cfr. cânones 42, 126, 153 §1, 171, §1, 1084, 1085, 1097 §1, 1708).

O alcance jurídico das clausulas da invalidade

Os actos inexistentes não têm e não podem ter efeito jurídico. Contudo, enquanto não é declarada a sua situação podem ter efeitos de facto. É de salientar que mesmo que haja efeitos eles não são reconhecidos pelo Direito e por isso não são sanáveis. Mesmo que este tipo de leis levem uma cláusula de invalidez, não devem ser considerados como leis irritantes ou inabilitantes.
Por seu lado, os actos nulos são em princípio sanáveis, pela natureza da mesma coisa. Por isso, a maioria dos actos invalidados pela lei irritante são sanáveis porque mantêm integra a sua essência. Contudo, o Direito pode também entender que existem determinadas anomalias ou vícios dos actos que, sem levar consigo a ausência, de elementos essenciais, produzem uma nulidade insanável.
A sanação dos actos nulos submetidos a processo é uma figura singularmente eficaz, devido à renúncia a impugnar a nulidade (cfr. cân. 1524 e 1525), pela expiração dos prazos para a impugnação (cfr. cân. 1626 §2), pelo cumprimento do fim objectivo do acto (cfr. cân. 1510) ou pelo efeito de cura da sentença (cfr. cân. 1619).

A anulabilidade

Para a anulabilidade dos actos canónicos não faz falta uma cláusula expressa de rescisão. Basta que o acto tenha um vicio ou uma anomalia juridicamente com valor que de lugar a uma coacção rescisória/anulável e que permita a intervenção anulatória do poder.
Assim sendo, a anulabilidade, isto é, a nulidade por sentença não declarativa ou por decreto, não tem de ser expressa.

Bibliografia:

OTADUY, Javier – Comentáio al cânone 10. In INSTITUTO MARTÍN DE AZPILCUETA. Facultad de Derecho Canónico. Universidad de Navarra - Comentário exegético al Código de Derecho Canónico. Vol. I. Pamplona: Eunsa, 1996, pp. 317-321.

Código de Derecho Canónico: Edição bilingüe comentada por los profesores de la Facultad de Derecho Canónico de la Universidad Pontifícia de Salamanca. Madrid: BAC, 1983, pp. 20-21.


Nuno Ventura Martins
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