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sábado, novembro 18, 2006

A lei

Lei
Lei,vários significados em latim ( legere-ler; eligere- religar; ligare- eleger). Mas, neste caso vamos abordar a “lege”-lei que, está de acordo com o assunto que trataremos que é sobre a Lei positiva dentro do Código do Direito Canónico.

Lei positiva

1.Significado. Lei – Prescrição do poder legislativo cujo cumprimento visa a organização da sociedade.[1] Na tradição católica, a lei positiva indica o complexo de normas que regulam as actividades humanas, normas que têm carácter vinculativo, enquanto emitidas pela autoridade politica ou eclesiástica, providas de sanções que estabelecem o que juridicamente licito numa determinada comunidade.

2. O mundo Antigo. Desde a Antiguidade, a codificação das leis tem tido uma importância fundamental, na vida de todos os povos. Basta pensar no Código de Ur-Nammu (2050 a.C.), a primeira colectânea de leis conhecidas, no Código de Lipit-Ishtar (1850 a.C.) e Hamurabi (1700 a.C.) ou nas Leis Hititas (séc. XIII a. C.), relativamente aos Hititas, ou na Lei Mosaica para os Hebreus.
As cidades gregas começaram a estabelecer leis escritas, por volta do século VI a.C..A lei da polis é uma derivação da lei divina, que e tomada como referencia e sem a qual não pode existir; a lei escrita da polis tem a sua correspondência não escrita, na lei dos deuses, da qual a humana é expressão. Ora é a esta lei superior que os homens se devem ater, quando ela for mal aplicada. Mesmo quando se revelar no basileus, na sua vontade e na sua pessoa, o nomos, ele será sempre manifestação da lei eterna do Cosmos. Portanto, a lei positiva é sempre uma expressão de uma ordem diferente da do poder humano, uma ordem imutável, plenamente justa, que vê no Cosmos, nos deuses, a sua plena realização. É a esta lei não escrita, mas igualmente segura, a que se refere, por exemplo, Sócrates quando rejeita as leis dos homens para se ater à lei dos deuses, a única que é justa e objectiva.

3.perspectiva bíblica. No mundo judaico, a lei positiva concretiza-se na lei mosaica. Depois de ter recebido as tábuas da lei, no monte Sinai (Decálogo), Moisés propõe ao povo a sua observância, no quadro da Aliança estabelecida com Deus. Todas as leis posteriores, de carácter ético, cultural e jurídico, têm Moisés como referencia e, ultimamente, o próprio Deus, que é o parceiro que estabelece uma ordem moral a que o povo deve adequar-se. A revolta contra esta lei provoca a separação de Deus e a ruptura de relações amigáveis, na comunidade humana; é fonte de todo o sofrimento e canseira e, em ultima analise, da morte, concebida como separação última e definitiva do mundo da vida e da relação com os outros.
No NT, Jesus reafirma a existência de uma ordenação moral primitiva, estabelecida por Deus, transposta para lei do homem e que Ele veio restaurar (cf. Mc 10, 1-10), Ele convida os seus ouvintes a «procurar o Reino de Deus e a sua justiça», isto é, a modificar a sua vida – a converter-se - para a tornarem conforme com o plano estabelecido por Deus.
Os apóstolos, nos seus escritos, ao enumerarem os comportamentos que não são conformes com o Reino de Deus (1 Cor 6, 9ss; Rm 1,29ss), referem-se a uma lei moral, que eles apenas se esforçam por explicar e recomendam aos cristãos a obediência à lei de Deus, acima da lei dos homens (Act 4, 19; 5, 29). Aliás, a parénese apostólica (Rm 13,1-7; 1Pd 2,13-17;Tm 2, 1-4;Tt 3,1-2) convida os cristãos a obedecerem à autoridade estatal, a terem relações de paz com todos os homens, com a autoridade politica, por duas ordens de razoes: uma teológica ( a autoridade vem de Deus, quer dizer, é necessário a uma sociedade organizada com homens que a governem), a outra ética ( é preciso obedecer «por motivo de consciência» ou «pelo Senhor», isto é, deve ser-se cidadão leal, respeitador da ordenação estatal, colaborando com as autoridades para o bem comum). Por isto, o cristão é chamado a colaborar com a autoridade para o bem comum, não se esquecendo de que o Reino de Deus o incita à transformação dos reinos deste Mundo, transformação que se concluirá com a instauração definitiva do Reino, no momentos do juízo final (Mt 25,31-46). Neste tempo de transição, o cristão necessita de regras ou leis que disciplinem a vida eclesial.

4. A reflexão tomista. A reflexão filosófico – teológica sobre a lei tem, na christianitas medieval, o seu apogeu em S. Tomas de Aquino. Nas questões 90-108 da I-II da Summa Theologiae, ele ocupa-se da lei, dividindo-a em várias partes: lei natural, lei positiva divina e humana, lei veterotestamentária e lei evangélica, que se baseia na lei eterna de Deus, isto e, numa lei que inspira todas as outras e especialmente a lei positiva humana. S. Tomás define a lei como ordinatio rationis ad bonum comune, ab eo qui curam commnitatis habet, promulgata (I-II, q.90,a.4); esta definição aplica-se, principalmente, à lei civil e, proporcionalmente, às outras. Assim, a lei é uma indicação operativa da razão, dada para o bem comum e promulgada pela autoridade responsável pela comunidade.
É de sublinhar a existência de duas notas características, nesta definição: a racionalidade e a universalidade. A lei é produto da razão e tem como motivo ser regra das acções humanas. Para dirigir as acções humanas, é necessário conhecer o fim e os meios que conduzem ao fim, para escolher o mais adequado: esta a missão especifica da razão.
A lei contém uma obrigação, mas antes de impor uma ordem, estabelece um plano de direcção, uma finalidade racional. A segunda nota é a universalidade, o seu carácter social, comunitário; carácter que deriva do fim, o bem comum, isto é, o bem participado por todos e para o qual todos devem contribuir.
Na síntese tomista, a lei positiva baseia-se, na lei eterna, através da lei natural. Para Tomás, ela é uma inclinação para encontrar a via certa, para nos fazermos homens e para construirmos e realizarmos a própria humanidade; ela tem o seu fundamento, na criação e no ser do Homem, feito à imagem de Deus.
É na realização histórica do princípio moral «Faz o bem e evita o mal» (I-II, q.94 a.2) e das “inclinações” fundamentais - para o bem e para o conhecimento da verdade, para a conservação de si próprio, para a vida familiar e em sociedade - através da utilização da sua racionalidade, que o Homem responde à vocação primogénita de ser «providencia para si e para os outros» (I-II, q. 91 a.2c), colaborando, desta maneira, na própria obra da Criação, utilizando a racionalidade para descobrir o comportamento moral mais adequado ao seu crescimento em humanidade.
A viragem nominalista, em filosofia e em teologia, ao acentuar a vontade e a lei entendida mais como obrigação (imposta por Deus ou pelo príncipe) do que como ordenação racional, e a concessão da lei natural como enumeração minuciosa de acções inscritas na natureza do homem, diminuíram e ate, muitas vezes, anularam o papel da investigação racional, na construção da lei, como resposta ao bem comum de todos, exemplificação histórica do primeiro principio moral e das «inclinationes» fundamentais do Homem.
5.Conclusão: Por isso, a lei positiva do estado deverá tender, antes de tudo, para a paz social e para a construção do consenso social, a respeito dos valores fundamentais, começando pelo da vida. Quando isto não for possível, a lei positiva deve deixar um espaço amplo às diferentes opiniões, admitir ate objecções de consciência, mas sempre com a garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos. Seja como for, a sociedade pluralista também tenderá sempre – precisamente para promover a convivência pacífica – para descobrir os valores morais e políticos que são os pressupostos da legislação estatal.
Na sociedade pluralista actual que vê, lado a lado, homens de fé, opiniões e culturas diferentes, a lei positiva que, por um lado, deve respeitar o direito fundamental da pessoa para poder manifestar a sua fé (Dignitatis Humanae, 2 ) e as suas opiniões, por outro, tem também a obrigação de tutelar os direitos fundamentais do Homem: o direito à vida, à saúde física e psíquica da pessoa nos diversos estados da vida, à integridade da pessoa e à sua liberdade, e a todas as condições sociais ( como, por exemplo, uma instrução suficiente, um trabalho digno, a possibilidade de praticar a sua fé) que contribuem para o crescimento e para a plena realização do homem.[2]
Neste sentido, no primeiro titulo do CIC, dedicado às leis eclesiásticas, afirma num dos pontos que a lei ”tem de ser imposta pela autoridade competente; isto é, por um oficio eclesiástico dotado de poder legislativo. Portanto, os órgãos dotados de poder executivo, como os Dicastérios da Cúria Romana (Const. Ap. Pastor Bónus, art. 18) ou os vigários gerais ou episcopais, não são competentes para ditar leis”.[3]Sendo assim, “(...) é preciso ter em conta que nos Princípios directivos para os trabalhos de revisão que elaborou a Comissão e aprovou o Sínodo dos Bispos em 1967, foi adoptado o critério de que«devem distinguir-se claramente as diversas funções de poder eclesiástico: a saber, o legislativo, administrativo e judicial», nº7 (cf. Commnicationes, 1, 1969, p 83). Neste sentido, a lei deve considerar-se como manifestação típica da função legislativa.[4]

Bibliografia

P. MATRANGA, Dicionário de Bioética, Lei Positiva, Perpétuo Socorro, Vila Nova de Gaia, Portugal, 2001.

Código de Direito Canónico, Livro I, Das Normas Gerais, TituloI, De legibus ecclesiasticis, Braga, Portugal, 1997.

Dicionário da língua Portuguesa-2004, porto editora, Porto, Portugal, 2003.

Carlos Verdete Ribas Manuel
Nº T 737, IVº Ano

[1] cf. Dicionário da língua Portuguesa-2004, porto editora,Porto,Portugal,2003. 1006
[2] Cf. P. MATRANGA, Dicionário de Bioética, Lei Positiva, Perpétuo Socorro, Vila Nova de Gaia, Portugal, 2001. pp. 654-656.

[3] Cf. Código de Direito Canónico, Livro I, Das Normas Gerais, TituloI, De legibus ecclesiasticis, Braga, Portugal, 1997, p.79
[4] Cf. Ibem p.78