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quarta-feira, janeiro 17, 2007

Exegese do cânone 24

Este cânone faz parte do Título II – do costume, e contém dois parágrafos. Depois de o c.23 ter definido que apenas tem força de lei o costume introduzido pela comunidade de fiéis que tiver sido aprovado pelo legislador em conformidade com as normas, o c.24 aponta agora algumas razões pelas quais o costume não pode adquirir força de lei.
No primeiro parágrafo, o cânone evidencia o limite de que um costume não pode ter eficácia normativa se for contrário ao Direito natural ou ao Direito divino positivo, dizendo: «não pode obter força de lei nenhum costume que seja contrário ao Direito divino».
O respeito pelo Direito divino – núcleo da revelação baseada na fé e nos costumes, que constitui o ser da Igreja e orienta o povo de Deus – constitui um limite implícito em todo o ordenamento canónico. Contudo, vem aqui referido acerca do costume porque este é introduzido sem a intervenção da autoridade jurisdicional, sendo mais propenso ao abuso, e porque o respeito pelo Direito divino é uma exigência própria da formulação clássica dos requisitos do costume canónico, ou seja, porque esta indicação tem já uma longa tradição, fazendo parte de todos os comentários doutrinais e legislativos sobre o costume. O seu texto mais emblemático está presente na decretal Quum tanto (X, 1, 4, 11), de Gregório IX.
O segundo parágrafo aponta a racionalidade como requisito necessário para que o costume obtenha força de lei: «também não pode obter força de lei o costume contra ou para além do direito canónico, se não for racional; o costume expressamente reprovado no direito não é racional». Pressupõe de certa forma o primeiro, já que os conteúdos do Direito divino se devem incluir na racionalidade.
A conduta da comunidade que introduz o costume deve adoptar uma modalidade racional. O costume é racional na medida em que corresponde à verdade e ao bem que se deve exigir de uma conduta social na Igreja. Não basta que o costume verse sobre matéria honesta ou que a conduta goze de uma eminência moral; é preciso que seja também tolerável e útil em ordem ao bem comum. Deve, em suma, ter uma adequação social.
Entre os costumes irracionais tradicionalmente elencados encontram-se, por exemplo, aqueles que podem induzir ao pecado e também todos aqueles que lesionam, senão a constituição essencial da Igreja e os conteúdos revelados da acção cristã, pelo menos as condições para o seu exercício.
Além da que procede do desajustamento com o Direito divino, a irracionalidade pode também provir de uma cláusula reprobatória expressa elaborada pelo legislador. Esta reprovação – «in iure» – exige que a fórmula reprobatória conste no texto legal, de tal modo que o teor reprobatório possa deduzir-se da própria lei.
Quando o legislador reprova expressamente um costume, este considera-se irracional, ficando declarado ilícito o uso e interrompido o prazo que lhe faria obter eficácia normativa – trinta anos contínuos e completos. Assim, mesmo que um costume tenha sido posto em prática há vários anos – menos de trinta – de forma contínua e completa (c.26) sem ainda ter obtido força de lei, não poderá consegui-lo se o legislador o considerar irracional. Apesar de tudo, a racionalidade é um requisito quer do costume quer da lei, daí que existe também a possibilidade de uma lei pretender reprovar um costume sem conseguir fazê-lo, por ser uma lei irracional e portanto nula.

Luís Eugénio Couto Baeta
5º ano de Teologia, 712