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segunda-feira, dezembro 11, 2006

Can. 18

Cânone 18São de interpretação estrita as leis que estabelecem alguma pena, coarctam o livre exercício dos direitos, ou contêm excepção à lei.


O cânone 18 estabelece o conjunto das leis de interpretação estrita, sendo aquelas que atribuem alguma pena, que limitam o livre exercício dos direitos ou que contêm excepção à lei. A interpretação estrita da lei funciona como uma garantia para aqueles a quem ela é aplicada, proibindo qualquer interpretação ampla que autorize a imposição ou agravamento das penas. Pois, atende-se mais ao espírito da norma do que à sua literacidade rigorista. A interpretação estrita evidencia o significado próprio das palavras, ainda que o aplique de uma forma limitada (daí que impeça o agravamento das penas). Assim, a interpretação estrita corresponde ao mínimo de sentido próprio das palavras. Ao fazermos uma interpretação estrita da lei devemo-nos cingir àquilo que ela é, e sem a qual (essa interpretação) não se poderia entender a lei. Isto é, os pressupostos que estão na base da elaboração da lei não diminuem nem aumentam. Por isso, a interpretação estrita corresponde ao cariz favorável com que se interpreta a lei na medida em que uma pena é aplicada quando estritamente necessária. Segundo o can. 18, a interpretação estrita da lei faz-se em três sentidos: em relação às leis penais, àquelas que coarctam o livre exercício dos direitos, e aquelas que contêm excepção à lei.

  • Assim, a leis penais são sempre limitadoras dos direitos e nesse sentido pouco benévolas. A aplicação destas leis deve ser feita sempre só em último recurso. Estas só deverão ser aplicadas quando verdadeiramente necessárias (can. 1317), de modo que se processe ao cumprimento da disciplina eclesiástica. Assim é evidente que toda a lei penal possui duas condições: uma favorável e outra desfavorável. É desfavorável na medida em que estabelece imperativos pessoais (isto é, deveres); é favorável quando atende ao bem comum e beneficia o bem público ou privado. Deste modo, a interpretação estrita, dentro do campo penal, dá a possibilidade de aos indivíduos ser reduzida ou aplicada a mínima extensão ou carga penal da lei e do seu significado. Como exemplo disto, podemos basear-nos no can. 1364 em que a medida a aplicar ao herege seria a pena de excomunhão, caso o individuo elaborasse uma declaração de vontade de doutrina ou de conhecimento acerca dessa intenção. Ora, a interpretação estrita ou favorável da lei, está em que se deve considerar como facto não consumado, (o delito), se ninguém se tiver apercebido dessa declaração ou intenção. Deste modo, as leis penais podem relacionar-se com a finalidade da lei para que se evitem casos de injustiça ou de absurdos jurídicos.

  • Quanto às segundas, ou seja, às que coarctam (limitam) o livre exercício dos direitos, podemos dizer que pela interpretação estrita se contempla de maneira mais evidente a autonomia privada e os direitos fundamentais dos fiéis. Por isso devem ser interpretadas estritamente as leis limitativas que dizem respeito ao exercício dos direitos de todos os fiéis, dos direitos dos fiéis leigos, dos direitos dos clérigos, e dos direitos dos membros dos institutos de vida consagrada. É de considerar também que não estamos somente diante dos direitos, mas também de deveres e obrigações. Assim, a título de exemplo deverá interpretar-se estritamente os cânones que dizem respeito ao consentimento matrimonial (can. 1095), aos impedimentos matrimoniais (can.1094), aos cânones que estabelecem finalidades na constituição de pessoas jurídicas ou associações privadas de fiéis (can. 114 § 3); e que diz respeito à liberdade do seminarista na eleição do seu director espiritual – can. 239 § 2, este deve ser interpretado e relacionado com o can. 246 § 4, que fala da eleição livre da vida espiritual de cada um, de quem a modere e governe. Podem também entender-se como leis que limitam o exercício dos direitos as normas consideradas irritantes e as inabilitantes. Por isso, não se deverá interpretar estritamente as normas declarativas de inexistência de um acto jurídico ainda que a norma seja inválida.

  • Quanto à excepção da lei, a interpretação estrita deverá ser feita sempre de acordo com o legislador, favorecendo-as (às leis de excepção) sempre que se dêem alguns conflitos com o teor pormenorizado da lei. Assim, deve interpretar-se estritamente devido ao seu carácter excepcional todas as normas legais que não estejam de acordo com o direito comum e representam uma certa anomalia do direito, e se tornem irrelacionáveis com o conjunto das restantes leis gerais. Para identificar essas anomalias deverá identificar-se o campo jurídico em que se verificam, e aí verificar também a possibilidade de se tolerar alguma excepção. Deste modo, poderão dar-se alguns exemplos cuja a interpretação estrita engloba algumas excepções da lei: o can. 1272 faz menção à possibilidade da existência de benefícios como excepção, pressupondo a sua existência local e que continuem em vigor, ainda que o direito tenha acabado com o sistema de benefícios; o can. 312 § 1 aceita a título excepcional a existência do privilégio apostólico para fundar associações públicas diocesanas com um poder que não seja episcopal ( a interpretação estrita está em que prevê com base na excepção a fundação de associações públicas diocesanas sem uma intervenção directa do bispo).

Quanto às normas tidas como extraordinárias é mais difícil verificar a sua interpretação estrita, ainda que, com base na urgência e na necessidade, elas não deixem de ser normas excepcionais de tal interpretação.

A interpretação estrita da lei procura em último caso ser favorável ao fiel, visto que a punição é mais estrita ou reduzida, pois contém um alcance mínimo das palavras. Não quer isto dizer que com esta interpretação se desrespeite os deveres e direitos de todos os fiéis. Assim, o legislador, com base neste cânone, preocupa-se em fixar três casos a partir dos quais a interpretação é sempre estrita, atendendo desse modo à benignidade, equidade e misericórdia na aplicação da lei.

Notas:

Cân. 1317 — Só se constituam penas na medida em que sejam verdadeiramente necessárias para se providenciar mais convenientemente à disciplina eclesiástica. A demissão do estado clerical não pode ser imposta por lei particular.

2 Cân. 1364 — § 1. Sem prejuízo do cân. 194, § 1, n.° 2, o apóstata da fé, o herege e o cismático incorrem em excomunhão latae sententiae; o clérigo pode ainda ser punido com as penas referidas no cân. 1336, § 1, ns. l, 2 e 3.

§ 2. Se o exigir a contumácia prolongada ou a gravidade do escândalo, podem acrescentarse outras penas, sem exceptuar a demissão do estado clerical.

3 Cân. 1272 — Nas regiões onde ainda existam benefícios propriamente ditos, compete à Conferência episcopal, por meio de oportunas normas estabelecidas de acordo com a Santa Sé e por esta aprovadas, determinar o regime de tais benefícios, de modo que os seus rendimentos, e até mesmo, quanto possível, a dotação paulatinamente passem para o instituto referido no cân. 1274, § 1.

4 Cân. 312 — § 1. A autoridade competente para erigir associações públicas é:

1.° para as associações universais e internacionais, a Santa Sé;

2.º para as associações nacionais, isto é, para aquelas que pela sua própria erecção se destinam a exercer a actividade em todo o país, a Conferência episcopal no seu território;

3.° para as associações diocesanas, o Bispo diocesano no seu próprio território, mas não o Administrador diocesano, exceptuadas aquelas associações cujo direito de erecção foi reservado a outrem por privilégio apostólico.

Paulo Sá

4.º Ano Teologia, 736