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terça-feira, outubro 31, 2006

Síntese da aula do dia 30/10/06

A propósito do direito no mistério da Igreja saliente-se o documento “Ad tuendam fidem” publicado a 18 de Maio de 1998. O qual se junta ao cânon 750 como complemento do primeiro parágrafo. Segundo o documento às verdades de fé reveladas deverá aderir-se: 1) com fé divina e católica (de fide credenda), isto é, são verdades de revelação divina; 2) aceitar firmemente e acreditar nessas verdades (de fide tenenda), isto é, aqui já não se trata da revelação divina propriamente dita, mas da existência de uma conexão com a revelação divina; 3) religioso obséquio da vontade e da inteligência.
As verdades conexas com a revelação divina embora não pertençam ao depósito da fé elas relacionam-se com a fé por razoes históricas e de consequência lógica. A consciência destas três verdades permite-nos manter e conservar a comunhão com a Igreja., em ordem à salvação de todos os homens. Isso verifica-se quando professamos a única e verdadeira comunhão eclesial.
Quanto aos institutos que marcam a eclesialidade do direito falamos de dois: 1) equidade canónica / epikeia: é a correcção do rigor da lei para favorecer numa situação concreta o fiel, sendo uma atitude de espírito da autoridade. Apela sempre a uma justiça superior, exprimindo e apelando à caridade. É S. Tomás de Aquino que traduz este conceito aristotélico. Este conceito ou instituto vem confirmar a expressão se Cícero “Summum ius, summum iniuria”, isto é, a epikeia mostra que ao querer ser-se ser tão justo que muitas vezes se cai precisamente na injustiça. A epikeia centra-se no fiel e dá-se ao nível do foro interno, servindo para ajuizar se se deve ou não naquele momento concreto cumprir a lei; a equidade canónica salienta que a força da lei está no juiz e é de foro externo. Estas duas interpretações são lidas à luz da influência da casuística. A equidade canónica é a qualidade intrínseca das leis, a norma da sua aplicação, uma atitude de espírito e de ânimo da autoridade que deverá procurar fazê-las respeitar. 2) Dispensa: é a relaxação da lei meramente eclesiástica num caso particular. É um complemento da lei positiva, pois procura buscar os bem espiritual da pessoa nas situações concretas em que se encontra.


Daniel Neves, nº 706

segunda-feira, outubro 30, 2006

A propósito do cân. 750 § 2: «Ad tuendam fidem»





PARA DEFENDER A FÉ da Igreja Católica contra os erros que se levantam da parte de alguns fiéis, sobretudo daqueles que se dedicam propositadamente às disciplinas da sagrada Teologia, a Nós, cuja tarefa principal é confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22, 32), pareceu-nos absolutamente necessário que, nos textos vigentes do Código de Direito Canónico e do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, sejam acrescentadas normas, pelas quais expressamente se imponha o dever de observar as verdades propostas de modo definitivo pelo Magistério da Igreja, referindo também as sanções canónicas concernentes à mesma matéria.

1. Desde os primeiros séculos até ao dia de hoje, a Igreja professa as verdades sobre a fé em Cristo e sobre o mistério da sua redenção, que depois foram recolhidas nos Símbolos da fé; com efeito, hoje elas são comummente conhecidas e proclamadas pelos fiéis na celebração solene e festiva das Missas como Símbolo dos Apóstolos ou Símbolo Niceno-Constantinopolitano.

Este, o Símbolo Niceno-Constantinopolitano, está contido na Profissão de Fé, recentemente elaborada pela Congregação para a Doutrina da Fé (1), e cuja enunciação é imposta de modo especial a determinados fiéis, quando estes assumem um ofício que diz respeito, directa ou indirectamente, à investigação mais profunda no âmbito das verdades acerca da fé e dos costumes, ou que tem a ver com um poder peculiar no governo da Igreja (2).

2. A Profissão de fé, devidamente precedida pelo Símbolo Niceno-Constantinopolitano, tem além disso três proposições ou parágrafos que pretendem explicitar as verdades da fé católica que a Igreja, sob a guia do Espírito Santo que lhe "ensina toda a verdade" (Jo 16, 13), no decurso dos séculos, perscrutou ou há-de perscrutar de maneira mais profunda (3).

O primeiro parágrafo, onde se enuncia: "Creio também com fé firme em tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida por Tradição, e que a Igreja, quer com juízo solene, quer com magistério ordinário e universal, propõe para se crer como divinamente revelado" (4), está convenientemente reconhecido e tem a sua disposição na legislação universal da Igreja nos cânn. 750 do Código de Direito Canónico (5) e 598 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais (6).

O terceiro parágrafo, que diz: "Adiro além disso, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, às doutrinas que o Romano Pontífice ou o Colégio dos Bispos propõem, quando exercem o seu magistério autêntico, mesmo que não as entendam proclamar com um acto definitivo" (7), encontra o seu lugar nos cânn. 752 do Código de Direito Canónico (8) e 599 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais (9).

3. Todavia, o segundo parágrafo, no qual se afirma: "Firmemente aceito e creio também em todas e cada uma das verdades que dizem respeito à doutrina em matéria de fé ou costumes, propostas pela Igreja de modo definitivo" (10), não tem cânone algum correspondente nos Códigos da Igreja Católica. É de máxima importância este parágrafo da Profissão de fé, dado que indica as verdades necessariamente conexas com a revelação divina. Estas verdades, que na perscrutação da doutrina católica exprimem uma particular inspiração do Espírito de Deus para a compreensão mais profunda da Igreja de alguma verdade em matéria de fé ou costumes, estão conexas com a revelação divina, quer por razões históricas, quer como consequência lógica.

4. Por isso, movido pela referida necessidade, deliberamos oportunamente preencher esta lacuna da lei universal, do seguinte modo:

A) O cân. 750 do Código de Direito Canónico terá a partir de agora dois parágrafos, o primeiro dos quais consistirá no texto do cânone vigente e o segundo apresentará um texto novo, de maneira que, no conjunto, o cân. 750 será assim expresso:

Cân. 750 – §1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

No cân. 1371, § 1 do Código de Direito Canónico, seja congruentemente acrescentada a citação do cân. 750 § 2, de tal maneira que o cân. 1371, a partir de agora, no conjunto, será assim expresso:

Cân. 1371 — Seja punido com justa pena:

1) quem, fora do caso previsto no cân. 1364 § 1, ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecuménico, ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 750 § 2 ou no cân. 752, e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retratar;

2) quem, por outra forma, não obedecer à Sé Apostólica, ao Ordinário ou ao Superior quando legitimamente mandam ou proíbem alguma coisa, e, depois de avisado, persistir na desobediência.

B) O cân. 598 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, a partir de agora, terá dois parágrafos, o primeiro dos quais consistirá no texto do cânone vigente e o segundo apresentará um texto novo, de tal maneira que no conjunto o cân. 598 será assim expresso:

Cân. 598 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus, escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado, quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos os fiéis cuidem de evitar quaisquer doutrinas que lhe não correspondam.

§2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é porposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

No cân. 1436 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais tem-se justamente de acrescentar as palavras que se referem ao cân. 598 §2, de tal maneira que, no seu conjunto, o cân. 1436 será expresso assim:

Cân. 1436 – §1. Quem negar uma verdade que deve ser acreditada com fé divina e católica ou a puser em dúvida ou repudiar totalmente a fé cristã, e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido como herético ou como apóstata com a excomunhão maior; o clérigo pode, além disso, ser punido com outras penas, não excluída a deposição.

§2. Fora destes casos, quem rejeitar com pertinácia uma doutrina proposta como definitiva, ou defender uma doutrina condenada como errónea pelo Romano Pontífice ou pelo Colégio dos Bispos no exercício do magistério autêntico, e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido com uma pena adequada.

5. Ordenamos que seja válido e ratificado tudo o que Nós, com a presente Carta Apostólica dada sob forma de Motu Proprio, decretámos, e prescrevemos que seja inserido na legislação universal da Igreja Católica, respectivamente no Código de Direito Canónico e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais, tal como foi acima mostrado, não obstante qualquer coisa em contrário.

Roma, junto de São Pedro, 18 de Maio de 1998, vigésimo ano do Nosso Pontificado.


1) CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Professio Fidei et Iusiurandum fidelitatis in suscipiendo officio nomine Ecclesiae exercendo (9 de Janeiro de 1989): AAS 81 (1989) 105.

2) Cf. Código de Direito Canónico, cân. 833.

3) Cf. Código de Direito Canónico, cân. 747 § 1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 595 § 1.

4) Cf. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, 25; Constituição dogmática sobre a divina Revelação Dei Verbum, 5; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 15: AAS (1990) 1556.

5) Código de Direito Canónico, cân. 750 — Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

6) Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 598 — Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos os fiéis cuidem de evitar quaisquer doutrinas que lhe não correspondam.

7) Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 15: AAS 82 (1990) 1557.

8) Código de Direito Canónico, cân. 752 — Ainda que não se tenha de prestar assentimento de fé, deve-se contudo prestar obséquio religioso da inteligência e da vontade àquela doutrina que quer o Sumo Pontífice quer o Colégio dos Bispos enunciam em matéria de fé e costumes, ao exercerem o magistério autêntico, apesar de não terem intenção de a proclamar com um acto definitivo; façam, portanto, os fiéis por evitar o que não se harmoniza com essa doutrina.

9) Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 599 — Ainda que não se tenha de prestar assentimento de fé, deve-se contudo prestar obséquio religioso da inteligência e da vontade à doutrina em matéria de fé e costumes que quer o Romano Pontífice quer o Colégio dos Bispos enunciam, ao exercerem o magistério autêntico, apesar de não terem intenção de a proclamar com um acto definitivo; por conseguinte, os fiéis cuidem de evitar qualquer doutrina que lhe não corresponda.

10) Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990) 15: AAS 82 (1990) 1557.

domingo, outubro 29, 2006

Síntese da aula de 26/10/2006

Conceitos gerais
Carisma: dom de Deus a alguém em benefício da Igreja.
Carisma-Instituição: estrutura inter-reguladora
Instituição-canónica: aprovação.

Cânones analisados
Cân. 204: Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo baptismo, foram constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo.
Cân. 208: Devido à sua regeneraçã em Cristo, existe entre todos os fiéis verdadeira igualdade no concernente à dignidade e actuação pela qual todos eles cooperam para a edificação do corpo de Cristo, segundo a condição e a função próprias de cada um.
Cân. 210: Todos os fiéis, segundo a sua condição, devem esforçar-se por levar uma vida santa e promover o incremento da Igreja e a sua contínua santificação.
Cân. 213: Os fiéis têm o direito de receber dos sagrados Pastores os auxílios hauridos dos bens espirituais da Igreja, sobretudo da palavra de Deus e dos sacramentos.

Síntese da aula
Num primeiro momento revelou-se necessário encerrar a reflexão sobre a Igreja como Corpo místico de Cristo. A corporeidade e visibilidade pertencem ao âmago da Igreja. Desta forma, ao nos referirmos à imagem do corpo-místico estamos inevitavelmente a invocar uma imagem de uma realidade visível e invisível. O Direito positivo da Igreja não se compreende sem o Direito positivo Divino. Daí que a imagem do corpo-místico nos ajude a compreender a essência do Direito Positivo.
Num segundo momento abordamos o tema da Igreja como um povo de igualdades e desigualdades. O mesmo é afirmar que há uma certa polaridade na complexidade da estrutura da Igreja. O cân. 204 é aquele que nos explicita melhor os contornos desta problemática. Se por um lado afirma a igualdade de todos os fiéis por meio de incorporação em Cristo no baptismo, por outro lado também se fala de uma desigualdade dado que cada fiel participa segundo o seu modo e a sua condição jurídica.
De uma forma mais lapidar, diríamos que há uma igualdade radical que nos é conferida pelo baptismo; igual dignidade de filhos de Deus. A desigualdade advém das diferentes funções ou vocações a que cada fiel é chamado a desempenhar na Igreja. Não se trata de uma desigualdade ontológicas ou dignitária mas antes de uma desigualdade funcional.
Abordar a essência da Igreja passa necessariamente pela relação entre o carisma e instituição. Há nestes dois aspectos uma circularidade hermenêutica. A Instituição provém do carisma e o carisma necessita da Instituição.
Por carisma entendemos um dom de Deus que é oferecido a alguém para benefício da Igreja, ou seja, não é um dom para ficar fechado mas antes para se abrir à Igreja. Este carisma contém em si uma estrutura imanente que determina o modo como pode e deve ser exercido na Igreja. São como que regras de conduta. A esta estrutura canónica chamamos carisma-instituição.
Um passo mais em frente é dado através da institucionalização canónica, ou seja, quando um carisma é reconhecido pela Igreja, com pleno assentimento, como útil para a salvação humana e maior glória de Deus. Falamos da Instituição Canónica. Em termos teóricos podíamos falar de alguém que clama possuir um carisma, mas esse carisma não ser reconhecido pela igreja, instituição canónica. Assim, esse carisma perde toda a sua vitalidade.
Tiago Freitas - 717

Síntese da aula de 19/10/2006

Na continuação das aulas anteriores abordamos nesta aula a reflexão sobre o direito canónico na vida da igreja, partindo do conceito da Igreja como comunhão.
O nº1 da L.G. refere a Igreja como o Sacramento da união dos homens com Deus uno e trino e dos homens entre si, e, por isso a Igreja significa e realiza essa comunhão.
A comunhão dos fiéis (communio fidelium) tem a sua fundação no baptismo, e tem uma relação fundamental com a eucaristia, pois através da participação nesta chegamos à comunhão com Cristo e com a Trindade. Desta participação na divindade por parte dos fiéis surge a comunhão entre todos os membros das Igrejas, e a comunhão entre todas as Igrejas (communio inter ecclesias), como nos aponta o cân. 897.
Esta comunhão traduz-se na comunhão espiritual, cujo autor é o Espírito Santo, mas não se esgota nesta, sendo vivida como uma realidade orgânica, que requer uma forma jurídica.
A comunhão eclesial especifica-se na comunhão eclesiástica e na comunhão hierárquica.
A comunhão eclesiástica
vigora entre todos os baptizados unidos pelos vínculos do cân. 205, e realiza-se em três dimensoes:
- Universal (Comunhao com a Igreja de Roma);
- Particular (Comunhao dentro da Diocese);
- Local (Comunhao dentro da Paróquia).
Para que se possa falar de Igreja Católica é necessario haver:
- Baptismo (cân. 204);
- Diferenciaçao organica dos fieís (cân. 208);
- Aceitaçao do ordenamento jurídico e dos sacramentos (cân. 897);
- Aceitaçao dos vinculos da profissão de fé, dos sacramentos e do governo (cân. 204);
- O governo do Romano Pontifice e dos Bispos (cân. 204).
Em todas as dimensões da igreja encontram-se dois elementos especificativos:
- O Povo de Deus;
- O orgão de governo.
A comunhão hierárquica é o elemento constitutivo da comunhão eclesial. A comunhão dos Bispos indica: - Na sua relação com o Romano Pontífice, o vinculo espiritual com o colégio episcopal; - Na relação dos presbíteros para consigo, o vinculo orgânico estrutural e o vinculo espiritual.
Se aquele que tem o governo da comunidade\diocese romper o seu vínculo todos os fiéis ao seu encargo ficam fora da comunhão.

A comunhão eclesiástica e a hierárquica subsistem uma com a outra, há um vínculo espiritual, mas também um orgânico estrutural e institucional, desta forma se exprime-se também a realidade complexa da Igreja.
Entramos agora no conceito de Igreja como sacramento.
O primeiro aspecto abordado é o mistério da Igreja no mistério da Trindade.
“A Igreja, embora humana na sua apostolicidade, só pode compreender-se na fé precisamente pelo seu carácter sacramental e pelo facto de ser uma realidade plenamente inscrita na vida da trinitária:
- Procede da Trindade (Ecclesia de Trinitate);
- Vive no âmbito da Trindade (Ecclesia in Trinitate);
- Está destinada à Trindade (Ecclesia in Trinitatem).”
Embora esteja inscrita na trindade a realidade da Igreja não se limita a este facto, sendo também importante a sua dimensão histórica.
Para melhor se compreender esta importância podemos atender à analogia de proporcionalidade (é uma analogia e não uma identificação) entre a Encarnação e a Igreja. Em ambos os casos à uma união entre o humano e o divino: - no entanto enquanto que na Encarnação, em que o elemento humano serve ao Verbo Divino como órgão de salvação, a união entre estas duas realidades é hipostática; na Igreja, em que o elemento humano da Igreja serve ao Espírito para a salvação, esta união é mística.
Toda a acção visível da Igreja deve estar ao serviço da salvação, e por isso o Direito Canónico está ao serviço, e é instrumento, da Salvação, participando por isso da dimensão sacramental da Igreja.
O único que salva é Cristo, por intermédio da Igreja, que é o prolongamento sacramental da acção salvífica de Cristo. A Igreja é o corpo místico de Cristo depois da Sua ascensão.
A imagem do Corpo Místico de Cristo compreende a visibilidade e a invisibilidade da Igreja, é uma linguagem que é comum a toda a tradição teológica, e permite-nos falar da Igreja não apenas como algo espiritual mas também real.
Sendo um lugar onde a graça toca o real, com uma “alma” e um “corpo”, a Igreja é uma sociedade juridicamente perfeita que partilha a Divindade.
Concluindo, a Igreja é uma realidade complexa, para a qual devemos olhar com complexidade, ela é uma comunidade humana que se organiza, mas que tem a sua origem na vontade Divina, o Direito, fazendo parte da dimensão humana da Igreja, tem também valor salvífico (ius sacrum).

Sérgio Freitas - 715

sexta-feira, outubro 27, 2006

Algumas considerações finais sobre o "corpo místico"

Caro Pablo Lima,

É para mim um motivo de alegria verificar que leste atentamente o artigo que coloquei no “blog” relativamente à unidade curricular de Direito Canónico Fundamental.
Sendo um comentário crítico com grande seriedade e sentido fraterno, tenho isso em máxima consideração. Não posso, contudo, deixar de aclarar algumas ideias não tão bem compreendidas, salvaguardando aquilo que é a minha convicção até onde for possível.
Passo então a esclarecer os teus argumentos, sem com isso pretender invalidar de forma alguma a tua exposição.



1- A primeira é que o autor não está correcto mas correctíssimo! é mesmo verdade que o termo «místico» aparece para sublinhar a dimensão espiritual da Igreja diante duma leitura meramente institucional e moral. Aliás, como podes ler nos números 60-61 da Mystici Corporis de Pio XII - que não citas uma única vez e que - como sabes - é o documento que universalizou esta terminologia até então, bastante erudita e pouco popular, a intenção é mesmo sublinhar que «esse termo bem entendido lembra-nos que a Igreja, sociedade perfeita no seu gênero, não consta só de elementos sociais e jurídicos» (60). Neste sentido, o termo Corpo místico de Cristo não está em contradição com a terminologia moderna de Igreja-comunhão mas de alguma forma a precede e prepara.

R. Não o citei intencionalmente, porque se na altura abriu algumas janelas fechou muitas outras. Nessa encíclica repara na disposição dos capítulos no concerne ao entendimento eclesiológico e compara com a Lumen Gentium. Não significa que uma seja superior a outra, tão somente a uma mudança evidente de paradigma, de entendimento. É isso que eu tento dizer com o artigo que escrevi, por isso, talvez, o termo “místico” aplicado à Igreja não diga tanto como as outras analogias. Uma coisa é assumir o termo claramente, outra é a pretensão que se procura assumir. Então podemos colocar a questão: se o termo Igreja-comunhão já esta de certa forma patenteado ao longo de todo o Cristianismo, porque é que ele nunca foi assumido como tal? Somente estava em gérmen? Não creio. Pois, temos que atender aos contextos presentes ao longo da história da Igreja, com tanto que se esclareça que uma coisa é assumir, outra é ter a pretensão de que seja mesmo.
Diz Ratzinger “a debilidade da encíclica de Pio XII sobre a Igreja consiste sem dúvida em não ter reflectido sobre a diferença das três concepções (patrística, medieval, romântica), de forma que se misturaram as três. Se se quer chegar a um enunciado claro, é indispensável uma limpa separação... a Igreja se concebe unicamente pelo seu lado jurídico ‘(concepção medieval)’... se se põe por base a ideia romântica de corpo de Cristo...o organismo misterioso da graça de Cristo não pode circunscrever-se ao âmbito da unidade visível da Igreja católica romana...” (RATZINGER, Um novo povo de Deus, Herder, 262).


2. é verdade que o termo não é bíblico mas tampouco o é o binómio Igreja-comunhão. Os termos eklesía e koinonía em S. Paulo não aparecem senão numa referência analógica. Nunca comunhão é substantivado como definição de Igreja. Neste sentido, se o termo «comunhão» é mais usado actualmente que o de «corpo místico» não é porque seja inferior.

R.
Em parte concordo contigo. Aliás, a imagem corpo de Cristo expressa melhor a Igreja. Mas há algo interessante a verificar, e S. Paulo, nas entre linhas, di-lo claramente: a Igreja é corpo de Cristo não como mero grupo social, mas como comunhão de crentes enraizados em Jesus Cristo (vejamos o sentido de personalidade corporativa, analogia matrimonial e eucarística presente nele); a Igreja é corpo de Cristo como marido e mulher são uma só carne (é aqui que aparece o verdadeiro sentido de comunhão). Obviamente que não podemos andar à procura do termo comunhão em S.Paulo para ver se ele se adequa ou não; a Igreja vai actualizando a sua linguagem e concepção; talvez o termo comunhão relacionado com o corpo de Cristo diga muito mais do que simplesmente um e outro isolados).
Deixas-me perplexo quando dizes “nunca comunhão é substantivado como definição de Igreja”, porque são Paulo diz: “o cálice de benção, que abençoamos, não é comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós (não será a Igreja?), embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão”(1Cor10, 16-17).Se a Igreja não é esta comunhão essencial e substancial em Cristo presente no sacramento da Eucaristia, não sei de que Igreja falamos? Talvez duma Igreja mística, espiritual, ideológica mas sem corpo, e por isso, sem alma de ser aquilo que deve ser? “A comunhão visível eclesial é a manifestação da comunhão com o Pai e com o Filho, Jesus Cristo (cf 1Jo, 3-7), em quanto que é a comunhão com Deus que fundamenta a comunhão eclesial” (GHIRLANDA, 37).
Quanto ao uso do termo “eklesía” em S. Paulo cito uma expressão lapidar de Ratzinger: “ele indica tanto a assembléia cultual ‘(aproximação a qahal)’, como a comunidade local, bem como a Igreja de um âmbito geográfico mais vasto, como, em fim, a Igreja idêntica e única de Jesus Cristo” (RATZINGER, Uma comunidade sempre em Caminho, S. Paulo, Madrid, 29).


Porventura não terá evitado Paulo um termo como esse por ser passível de péssima interpretação no contexto grego... Místico não era uma palavra muito apropriada bem como Mistério não o era e os resultados duma interpretação helénica e gnóstica não se fizeram esperar.

R.
Não concordo com esta tua interpretação pelo seguinte: quantas vezes utiliza Paulo a palavra corpo (swma) e espírito (pneuma) sem qualquer problema? Não seriam também problemáticos para os gnósticos e helénicos que os entendiam de uma forma bem diferente? Não terá sido o discurso do areópago sinal disso? E que sentido teria S. Paulo falar de um corpo glorioso ressuscitado, então? “Sendo de notar que “pneuma” (espírito) não representa uma antítese com “swma”, mas corpo é entendido no novo plano da ressurreição... ao afirmar isto vê-se claramente que a unidade que Paulo percebia na expressão “swma Kristou” não representa uma unidade de identificação, mas de união dinâmica” (RATZINGER, O novo povo de Deus , 266). Diz ainda que para “Paulo a Igreja não é mero corpo místico de Cristo, mas corpo real, ou, dito menos escandalosamente: para Paulo, a expressão «corpo de Cristo», que são os cristãos, não é só uma comparação, mas que expressa uma realidade decisiva da essência da Igreja” (Ibidem, 96).
Quando dizes que “Mistério” não era uma palavra muito apropriada eu não teria tanta certeza, pois S. Paulo usa-a: ”Grande é este mistério, mas eu falo em referência a Cristo e à Igreja” (Ef5, 32). Como verificas, tanto comunhão como mistério aparecem na tradição bíblica neo-testamentária em referência à Igreja enraizada em Cristo, já o termo “místico” não é tão frequente, ou melhor, nunca é usado neste sentido.


Quanto ao termo não ser patrístico, eu não teria tanta certeza... não tive tempo de procurar no Migne electrónico e, por isso, não afirmo nem nego.

R. Para ser exacto e sintéctico nesta dúvida deixo-te uma citação de RATZINGER, O novo povo de Deus , Herder, 112: “nem em Paulo nem nos Padres se dá a palavra ou expressão corpus Christi mysticum, mas a Igreja chama-se simplesmente (sem místico) «corpo de Cristo».

3- Finalmente, quanto a que «'místico', interpretado à luz da linguagem jurídica romana, designa a pessoa jurídica, uma corporação» creio que estás a fazer uma leitura anacrónica. Tens a certeza que o termo místico entra em algum sítio na linguagem jurídica romana e que não é uma leitura canónica de um termo teológico?

R. Claro que estou a fazer uma leitura anacrónica e histórica da expressão, isto é, exponho tal como era entendida na teologia medieval. E nós sabemos que a Igreja até ao Concílio Vaticano II esteve marcada pelo pensamento medieval na sua estrutura formal (não quer dizer que seja totalmente negativo, mas se calha face aos novos desafios emergentes, não seria o melhor caminho). Quando é que se passou a deixar de considerar a Igreja como sociedade perfeita no sentido hierárquico do termo? Somente com a constituição dogmática Lumen Gentium, considerando-se a Igreja primordialmente como mistério, e só no capítulo III é que aparece a constituição hierárquica da Igreja. Com isto não se procura desvalorizar o seu sentido institucional, antes pelo contrário, põe em relevo a sua importância. Posto isto, verifica se a encíclica Mystici Corporis de Pio XII põe isto em relevo e senão será ela herdeira da teologia medieval nos seus redutos?: “até ao séc. XII não se dá em troca (em relação ao conceito medieval) o emprego da palavra “místico”, que agora já não se aplica à eucaristia (teor sacramental tal como afirmei no artigo), mas à Igreja...designa uma alegoria... como ele chegamos a um ponto de partida: ao deslizamento do corpo até à esfera jurídica (ecclesiae mysticum)...poderia falar-se de uma interpretação corporativa e jurídica de corpo” (RATZINGER, O novo povo de Deus , Herder, 112-113).

A linguagem canónica usa de terminologia teológica que carece de reinterpretação quando extravasa o seu campo. é que o Direito Canónico não é uma disciplina teológica mas eclesiástica e, por isso, é muito fácil confundir os fundamentos.

R. E eu acho que tu acabaste de os confundir. Então o Direito Canónico não é uma disciplina teológica? Somente eclesiástica? Então, o que é a eclesiologia? O Direito Canónico fundamenta-se em quê? Em última instância, em quem é que se fundamenta a Igreja? Vez, o risco que se corre em considerá-la em termos de união mística! Então o que é o decálogo? Mais profundo ainda: as bem-aventuranças? Não será isto teologia, na qual o direito Canónico se baseia a partir da revelação de Deus aos homens com os quais estabelece uma nova aliança, permitindo um novo povo de Deus em Jesus Cristo? Afinal, não é isto a eclesiologia? É claro que não estamos a falar em teologia pura, mas não terá o Direito Canónico duas valências: uma carismática e outra institucional as quais se complementam? O direito que aqui falamos é teologia a partir do momento que estabelecemos uma relação entre Deus no caminho dos homens e os homens no caminho de Deus. É disciplina teológica quando em causa está a sacralidade da dignidade humana a qual possui direitos fundamentais e inalienáveis que o direito procura fazer valer. Deste modo "a personalidade de Deus e do homem permanecem intactas. O homem não é 'misticamente' absorvido em Deus; e 'o Pai' e 'o Filho' não perdem a sua soberania. Resta, apesar de tudo, entre Deus e o homem uma intimidade tão profunda que não poderia encontrar-se semelhante entre os homens" (R. SCHNACKENBURG, La communion avec Dieu selon Saint Jean, in Present et Futur, Paris 1969, 137).
Aqui entra a Igreja como a intermediária entre Deus e o Homem e a sua co-responsabilidade na preservação da felicidade de toda a criação. Se assim não fosse o Direito Canónico seria uma disciplina entre outras dentro da jurisprudência (meramente imanente e demasiadamente humano, tal como o é a maioria do direito civil). Se ele não tivesse origem teológica, nem eclesiológico seria, pois seria contradição absurda e insustentável. Não será o Direito que em certa medida sustenta a comunhão eclesial? Mas só há comunhão eclesial, se houver comunhão eucarística no sentido pleno do termo, isto é, comunhão com o corpo de Cristo. Assim, o conceito comunhão está presente em toda a concepção de Igreja, não como reunificação de um grupo de iluminados e perfeitos, mas como uma comunidades cujos os membros estão em íntima ligação com o corpo de Cristo.
Para finalizar esta argumentação não melhor do que a expressão “Sacrae disciplina leges”, isto é, leis da disciplina sagrada. Não é qualquer lei que está em causa. É a de Deus que a Igreja recebeu pela divina revelação e guardou ao longo da sua Tradição e história. Por isso, “AS LEIS DA DISCIPLINA SAGRADA teve a Igreja Católica, no decurso dos séculos, o costume de as Reformar e renovar para que, conservando sempre a fidelidade ao seu divino fundador, correspondessem adequadamente à missão salvífica que lhe foi confiada“ (CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO, UNIVERSIDADE DE NAVARRA, BRAGA 1997, 41).
João Paulo Costa
4º ano de Teologia

segunda-feira, outubro 23, 2006

A Igreja como corpo ‘místico’ de Cristo
1- A imagem “corpo ‘místico’ de Cristo” só poderá ser devidamente entendida se a enquadrarmos dentro do conceito de comunhão. A Igreja é corpo de Cristo, não como mero corpo jurídico ou como um grupo social pertencente a uma comunidade, mas como expressão profunda da comunidade sacramental de todos os comungantes entre si no corpo de Cristo. Isto possibilita a identificação com a comunhão eucarística concreta. Por isso, ser cristão significa a afirmação de uma pertença a Cristo, e por Ele, à Igreja. Esta Igreja que é única faz com que o cristão seja membro dessa única Igreja. Assim, o conteúdo fundamental de todo o cristão está na comunhão do “corpo do Senhor”. Sendo a Igreja uma ‘sociedade de comunhão’ (sociedade de comunidades que comungam entre si), só pertence à Igreja o que comunga desse corpo, isto é, que pertence à comunidade de crentes; pertença essa iniciada no baptismo. Porém, a Igreja não pode ceder ao conformismo do abandono daqueles que estão fora desta comunhão, pois “eles são a ferida profunda do corpo do Senhor que ela deve sentir como a sua ferida” (RATZINGER, O novo povo de Deus , 116).

2- Povo de Deus, reinterpretado cristologicamente, pela entrega de Cristo, a Igreja é povo de Deus, como corpo de Cristo, que a torna Povo de Deus da história da salvação. Corpo de Cristo compreende a Igreja como realidade pessoal, que possibilita a comunhão de identidades, pois corpo exprime a pessoa e orienta para uma pessoa em continuidade com Cristo (Povo de Deus) e não para um grupo social. Assim, a fórmula a Igreja é corpo de Cristo faz da Eucaristia, pela qual o Senhor nos oferece o seu corpo e nos torna um só corpo, o ‘lugar do nascimento ininterrupto da Igreja, pela qual Ela a funda sempre de novo; na Eucaristia a Igreja é ela própria de modo mais intenso’. Um povo de Deus que vive do corpo e da palavra de Cristo torna-se ele mesmo corpo de Cristo. Como Povo de Deus, a Igreja é a expressão da comunhão fundada e fundamentada na participação do corpo de Cristo, sobretudo, na Eucaristia.

3- Esta imagem da Igreja presente em S. Paulo refere-se a um sujeito pessoal ou a uma “personalidade corporativa” que é a comunidade local concreta, fundamentada e unida em Jesus Cristo e à qual nomeia de corpo de Cristo. Não somente nomeia como estabelece uma relação unidade intrínseca entre comunidades. O mesmo significa dizer que a Igreja não se encerra na exaltação individualista das pessoas que compõem uma comunidade, pelo contrário, ela só se percebe se compreender que o “eu” se forma a partir de “tu” numa complementaridade e compenetração recíproca. Só assim poderemos penetrar na ideia de corpo de Cristo. Todavia, esta analogia enquadra-se em três planos semânticos possíveis. Num plano soteriológico a expressão corpo de Cristo refere-se a Jesus Cristo em si mesmo como aquele que se entregou com todo seu ser “em corpo e alma”, permitindo a reconciliação com Deus e entre nós. Isto só se torna possível pelo Espírito Santo que coloca a Igreja num estado de comunhão participativa da auto-entrega de Jesus Cristo e faz com que as pessoas se abram mutuamente entre si convertendo-as em sacramento de amor de Deus que tudo salva e reconcilia. No plano eucarístico-sacramental revela um acontecimento de reconciliação presente no corpo glorificado do Ressuscitado que é alcançado pelos fieis através da participação no único dom do pão, partido e distribuído na Ceia comemorativa do Cristo Redentor. O pão e vinho da eucaristia convertem-se juntamente no sinal participativo do amor de Deus que nos reconcilia em Cristo Salvador traduzido na expressão “isto é o meu corpo que será entregue por vós” (Cor 11, 24). Ou ainda segundo a Lumen Gentium a “Igreja é, em Cristo, de certa forma o sacramento, isto é, o sinal e o instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano” (LG1). Esta expressão com ecos paulinos permite abarcar em simultâneo a verticalidade mística da união com Deus (sinal) e a horizontalidade missionária da unidade da humanidade (instrumento). É por este sinal sacramental que melhor e claramente se expressa a dimensão pneumatológica, cristológica e escatológica da Igreja. Portanto, a Igreja revestida pelo corpo de Cristo procura fazer da Eucaristia momento pelo qual recebemos e nos tornamos corpo de Cristo, “o lugar de nascimento ininterrupto da Igreja, na qual ele a funda constantemente de novo” (RATZINGER, A Igreja: Uma comunidade sempre em caminho, 33-34). E, por último, apresenta-se no plano eclesiológico propriamente dito em que o baptismo no único Espírito e a participação no único corpo eucarístico integram todos os fiéis na unidade de um só e verdadeiro corpo possivelmente existente. Ora, como este corpo que é a Igreja parte do corpo eucarístico de Cristo, ela torna-se naturalmente corpo ‘místico’ de Cristo, isto é, realidade visível e concreta de algo transcendente e invisível. O “conceito é, pois, particularmente capaz de relacionar uma com a outra e distinguir uma da outra, com todos os matizes necessários, a estrutura visível da Igreja e a sua essência espiritual” (W. KASPER, La theólogie et l’ Église, Cerf, 352). O mesmo significa dizer que a Igreja, por um lado, procede apenas e totalmente de Cristo com referência permanente à sua pessoa, mas por outro, enquanto sinal e instrumento, ela existe inteiramente ao serviço da comunidade e de todo o Homem (judeu ou gentio). Jesus e a Igreja, a cabeça e os membros do corpo ‘místico’ constituem o “Cristo total” e porque não a ‘Igreja total’? Sintetizando, podemos dizer que a expressão “corpo de Cristo” adquire uma dimensão claramente comunitária, onde se procura estabelecer um princípio de unidade na variedade de carismas aí existentes.

4- Porém, a par desta exposição mais consensual, poderá colocar-se a questão: será a expressão corpo ‘místico’ de Cristo a melhor imagem para dizer a Igreja na sua profundidade? Certamente afirmar simplesmente e irredutivelmente que a Igreja é uma realidade complexa de um mistério ainda ele mais complexo não ajudará muito. Penso que o conceito ‘místico’ está um pouco em desuso não no sentido da espiritualidade cristã, mas na sua aplicabilidade à tentiva de descrevermos a Igreja como povo de Deus em comunhão com o corpo de Cristo. Pois, ela só é comunhão tendo como referência explicita o acontecimento de Cristo, fora disso, é um simples corpo jurídico e institucional. Assim, a expressão corpo místico de Cristo entra até em contradição com aquilo que é a essência da Igreja à luz do direito Canónico, pois ‘místico’ leva a entender a Igreja como uma sociedade pura e perfeita, desligada inclusivamente dos seus membros e da sua dimensão institucional. Por isso, quando o autor diz “estruturada deste modo com um corpo e com uma alma, a Igreja, como sociedade perfeita, existe compreendida na realidade sobrenatural e divina do mistério total da mesma” (GHIRLANDA, 55). E então onde é que colocamos a Igreja mistério e como realidade complexa (composta por um duplo elemento humano e divino)? Ao considerá-la realidade mística retiramos-lhe praticamente a sua dimensão humana, aliás, nem podia relacionar-se com a união hipostática presente em Cristo, pois na sua base só estaria presente o elemento espiritual, tornando-se ainda mais perfeita do que aquele que lhe deu origem. Considerá-la sociedade perfeita ou ‘mística’ (corpus ecclesiae mysticum) significa dizer que ela tende para a perfeição, sendo as outras sociedades humanas a mais perfeita. Doutro modo seria ignorar a existência as imperfeições existentes na Igreja que lhe retirariam toda a legitimidade e representatividade perfeita do acontecimento crístico. Dizer que a união “entre o Espírito de Cristo e o organismo visível da Igreja não é hipostática, mas só mística”, isto é, espiritual significa dizer que os sacramentos (a eucaristia pela qual nos tornamos corpo de Cristo) não têm um efeito prático (físico) mas só espiritual. Assim, a “Igreja já não se compreende a partir do sacramento do corpo de Cristo, mas parece como corporação de cristãos, que formam juntos o corpo místico, a cristandade como corpo jurídico“ (H. de LUBAC, Corpus mysticum, citado em RATZINGER, O novo Povo de Deus, Herder, 261). Com esta concepção podemos correr o risco de cair num platonismo dualista onde a dimensão humana da Igreja (corpo) é somente considerada por relação exclusiva à sua dimensão divina (mística), descorando as imperfeições nela presentes. Claro que quando falamos em corpo de Cristo não falamos de um corpo biológico-físico, mas de um corpo que se torna presente em cada um dos membros que o compõem, e esse corpo já é ele mesmo espiritual. Ao afirmarmos que a Igreja é corpo de Cristo não significa que seja mais ou menos metáfora do que concebê-la como carne de Jesus incarnado ou que o pão eucarístico é o corpo de Cristo. Igreja, carne, pão são verdadeiramente o corpo de Cristo, pois cada um é o seu complemento ‘físico’. O corpo físico traduz a ideia de ‘coexistência’ na medida que os membros do corpo humano partilham uma existência comum numa relação de intrínseca ligação. Isto mesmo significa dizer que a Igreja se torna eficazmente o corpo ressuscitado de Cristo.

P.S: Quanto ao termo “corpo 'místico' de Cristo” o autor do nosso livro não é bem claro, pois ao dizer que “na teologia medieval, quando se fala da Igreja como corpo, acrescenta-se o “místico”, para sublinhar a dimensão espiritual da Igreja” (Ghirlanda, 57) não está de todo correcto. Na idade média surge efectivamente este termo, pois na teologia patrística ou bíblica ele não aparece, porém o epíteto 'místico', interpretado à luz da linguagem jurídica romana, designa a pessoa jurídica, uma corporação. Mais tarde, a eclesiologia romântica (séc.XIX) verá neste conceito a Igreja como organismo da graça de Cristo e como organismo do Espírito Santo, estando nos de uma concepção de Igreja primacial e hierárquica. Daí que o termo 'místico', em minha opinião, e sem descorar o seu verdadeiro significado e sentido original, não traduza em linguagem actual a nova concepção de Igreja à luz do Vaticano II. Não foi intenção minha apresentar aqui uma apologia de negação da expressão “corpo místico”, mas de tão só dizer que a exposição feita pelo autor do manual e o uso do termo na teologia eclesiológica actual não será a melhor forma de expor a realidade mistério que é a Igreja. Não quer dizer que se deva eliminar, ela é necessária e diz sentido, porém, tal como a expressão “corpo ‘místico’ de Cristo” evoluiu ao longo dos séculos também teremos que focar o aspecto sacramental (patrística sem místico) do conceito juntamente com a dimensão corporativa (eclesiologia medieval), espiritual (romantismo) e relacional (a Igreja como comunhão – Vaticano II). O paradigma “corpo ‘místico’ de Cristo” é a pilastra sobre a qual está sustentado o conjunto de convicções, crenças, ritos simbólicos e reais de todo um povo que é o Povo de Deus, enquanto manifestação e analogia com a Igreja. Porém, os avanços na concepção de Igreja à luz dos tempos em que se situa, só é possível pela reformulação da tradição de modo que vejamos a realidade algo diferente mas sempre numa continuidade fundamental e não em ruptura absoluta. Ora o que está em causa não é a referência a Cristo como paradigma imutável na vida da Igreja mas os diversos modos de interpretação do seu rosto com os critérios de cada tempo num espaço adequado. A Igreja em si mesma não muda o que se verifica é uma diferença milenar numa clara visão do mundo e das sociedades que o compõem. Este tempo de transição e insegurança aparente transforma-se em momento de conversão e tensão essencial perante a novidade introduzida. Causa espanto e receito sermos considerados “corpo de Cristo”, mas essa é a mais sublime diferença na medida em que causa reacções que não se esperavam se viessem meramente de uma evolução histórica.



João Paulo Costa
4ºano de Teologia

sábado, outubro 21, 2006

Expressões latinas

Expressões latinas
«Ubi ius ibi societas/ ubi societas ibi ius»

Ubi ius ibi societas/ ubi societas ibi ius

Duas expressões parcialmente idênticas, apenas se diferenciam pela permuta dos substantivos, no que refere à sua posição na frase. Aquilo que poderá parecer um pleonasmo, não é mais do que uma simetria perfeita, para traduzir uma ideia jurídica universal, com o berço em Roma.
Os substantivo latinos ius,iuris­ – Direito e societas,atis – Sociedade estão regidos pelos advérbios ubi e ibi, subentendendo o uso do verbo sum. A sua tradução é onde está o direito está a sociedade/ onde está a sociedade está o direito.
No forum jurídico romano este princípio era designado por máxima, e assim vigorou até ao séc. XI. Nesta data passa a ser chamado de brocardo (latino), em homenagem ao antropónimo Burckard, bispo de Worms e autor de uma compilação de Direito Canónico.

O Direito e a Sociedade são duas realidades indissociáveis, pois o Homem vive envolto de uma pluralidade de seres iguais a si mesmo, o que faz dele um ser relacional e um membro activo na sociedade. Esta ligação com o outro gera muitas vezes relações/conflitos intersubjectivos (interesses antagónicos entre dois ou mais sujeitos), o que implica a intervenção de uma autoridade –o Direito, capaz de harmonizar as situações mais complexas, evitando o caos.
O Direito ao corresponder à exigência de uma convivência ordenada, torna-se indispensável na organização e institucionalização da sociedade, ubi societas, ibi ius. Por sua vez a sociabilidade é da essência da ordem jurídica, ubi ius ibi societas. É o sistema de normas obrigatórias quem regula a conduta social do Homem e as suas relações na sociedade. Direito e Sociedade estão, assim, ligados intrinsecamente.
Por estes motivos há que rejeitar as teses, como a do marxismo, que admitem a existência da sociedade sem Direito.
Ubi ius ibi societas/ ubi societas ibi ius é o brocardo que espelha a complementariedade do Direito positivo com o Direito institucional.

Catarina A. Gonçalves
(1º ano de teologia)

Referências Bibliográficas

VV.AA. Enciclopédia Visum, vol. IV, Lisboa- S.Paulo, editorial Verbo, pág.75
VV.AA. Enciclopédia Polis, vol. II, Lisboa- S. Paulo, editorial Verbo, 1983, pág.295-296
VV.AA. Grande enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIX, Página Editora, pág.87
WWW. Google.pt
Houaiss, António e Villar, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, Lisboa, Temas e Debates, 2003

quinta-feira, outubro 19, 2006

A propósito da Igreja, Corpo Místico de Cristo

quarta-feira, outubro 18, 2006

Síntese da aula de 17 de Outubro de 2006

Nesta aula, continuámos a debruçar-nos sobre o Direito Canónico na vida da Igreja, nomeadamente sobre o fundamento eclesiológico do Direito eclesial que parte da noção de Igreja enquanto comunhão, inspirada no Vaticano II mas com raízes mais profundas. Com efeito, a comunhão que a Igreja apresenta e representa assenta na categoria neotestamentária da koinonía, depois burilada pelos Padres da Igreja, recuperada pelo Vaticano II e vertida no Código de 1983. Num segundo momento – consequente -, demos o passo para uma primeira abordagem da Igreja como sacramento.
Partindo da Pessoa de Jesus, que a transmitiu à Igreja, Seu corpo místico, a koinonía (cf. Act 2, 42-47), apresenta-se antes de mais como comunhão com o Pai mediada pela comunhão com o Filho (cf. 1 Cor). O Espírito Santo visibiliza esta comunhão espiritual, alargando-a aos fiéis que aderem a Cristo, através da solidariedade, colaboração e dinamismo evangelizador encarnados pela e na tradição apostólica. Como primeira conclusão a extrair, temos, portanto, que a comunhão com Deus funda a comunhão eclesial e que uma não existe sem a outra.
Ora, o estar em comunhão não implica a diluição dos envolvidos no marasmo do anonimato. Pelo contrário, a comunhão da Igreja exige a diferenciação de sujeitos. Estamos no coração dos ensinamentos que nos foram legados pela tradição apostólica e, se queremos perceber um Direito eclesial fundado sobre a rocha da Revelação e da Tradição, devemos entrar nesta mesma lógica, ou seja, considerar que a Igreja está em continuidade com o seu Fundador e que assenta sobre o alicerce dos apóstolos, mediante a legítima sucessão.
É por isso diversa a tradição tal como a entendem os judeus (repetição do passado até à restauração definitiva) e no sentido cristão, que a concebe como acção livre do Espírito que anima a Igreja, já não tanto na dependência directa do Livro. Foi este o sentido das palavras endereçadas por Paulo VI ao Tribunal da Rota Romana quando, em discurso de 8 de Fevereiro de 1973, disse que "o Direito eclesial não pode ser senão uma acção do Espírito, ele é também espiritual". Na "comunhão de todos os crentes", a Tradição, avessa a monolitismos, exprime a fidelidade da Igreja ao sopro de Deus, no contexto da evolução histórica. Daí que possamos formular uma segunda conclusão: que a tradição apostólica é elemento constitutivo da fé cristã, vinculando os fiéis à sua autoridade e ajudando a construir a Igreja.
Neste ponto, e na esteira dos Padres, chegámos a uma definição de comunhão como "instituição sacramental jurídica", nos antípodas de um vago sentimento, que nem de pertença o será. Instituição porque referida ao conjunto de relações intersubjectivas motivadas pela fé e pelos costumes; sacramental porque assinalada pelo Baptismo, a Eucaristia e a Ordem; jurídica porque, dadas e aplicadas pela autoridade, as normas que objectivam a acção do Espírito ganham força jurídica.
No século XX, impulsionado pelo movimento ecuménico, as tentativas de descentralização, o lugar "conquistado" pelas igrejas particulares e a renovação eclesiológica em geral, o Vaticano II chega, na LG (cf. 1), à definição da Igreja como sacramento da união de Deus com os homens e dos homens entre si. Ideia depois reforçada no Sínodo de 1985.

Miguel Miranda (5º ano de Teologia – nº 751)

Síntese da aula de 16 de Outubro de 2006

Do discurso proferido por Paulo VI a 8 de Fevereiro de 1973 à Rota Romana, sobressai a ideia de a natureza do direito canónico só se pode definir adequadamente no aprofundamento do mistério eclesial.
Cada época histórica projectou uma imagem de Igreja para expressar a realidade misteriosa da mesma, da tal forma que em cada época uma imagem expressa a consciência que a Igreja possui de si mesma, assim como exprime a forma concreta que oferece a Igreja de uma maneira exteriormente perceptível.
O problema da relação entre a essência da Igreja, como realidade dogmática, e a sua forma histórica, como realidade contingente, é de importância fundamental para o estudo do direito eclesial, enquanto que a este vai unido o problema da relação entre o direito divino, o jurídico dogmático como realidade ontológica e o direito eclesiástico positivo, como realidade intencional.
A essência da Igreja realiza-se sempre de uma forma histórica, pelo que não se pode separar essência da forma e vice-versa. A história não deve nunca ser considerada irrelevante, no que respeita ao mistério da Igreja, pois corre o risco de se converter numa Igreja irreal. Não se podem identificar a essência e a forma, e entre elas há que fazer uma distinção que não é real, mas racional, ou então seria impossível fazer algum juízo sobre as formas históricas que a Igreja vai assumindo. Convém lembrar não há uma forma histórica capaz de reflectir a essência da Igreja, à qual pertencem o direito divino e o jurídico dogmático. O direito positivo eclesiástico, por sua vez, pertence à forma institucional histórica assumida pela Igreja. Não podemos considerar a essência da Igreja, senão através da sua forma institucional concreta, e ao mesmo tempo compreender esta forma a partir e em função da essência, assim como não podemos considerar o direito divino senão pela sua expressão, ainda que fragmentária, no direito eclesiástico e considerar este direito a partir e em função do primeiro.
Em síntese podemos descrever a Igreja na sua essência como o povo de Deus, constituído pela comunhão entre os baptizados, unidos hierarquicamente entre si em várias categorias, por obra do Espírito Santo, na mesma fé, esperança e caridade, nos sacramentos e no regime eclesiástico.

Manuel Baptista Rodrigues Quinta
5º ano Teologia – nº 714

segunda-feira, outubro 16, 2006

A propósito dos graviora delicta

CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI
EPISTULA
a Congregatione pro Doctrina Fidei missa
ad totius Catholicae Ecclesiae Episcopos
aliosque Ordinarios et Hierarchas interesse habentes:
DE DELICTIS GRAVIORIBUS
eidem Congregationi pro Doctrina Fidei reservatis


Ad exsequendam ecclesiasticam legem, quae in articulo 52 Constitutionis Apostolicae de Romana Curia enuntiat: «Delicta contra fidem necnon graviora delicta tum contra mores tum in sacramentorum celebratione commissa, quae ipsi delata fuerint, [Congregatio pro Doctrina Fidei] cognoscit atque, ubi opus fuerit, ad canonicas sanctiones declarandas aut irrogandas ad normam iuris, sive communis sive proprii, procedit»,[1] necesse erat in primis definire procedendi modum de delictis contra fidem: quod peractum fuit per normas, quarum inscriptio est Agendi ratio in doctrinarum examine, a Summo Pontifice Ioanne Paulo PP. II ratas atque confirmatas, simul articulis 28-29 in forma specifica approbatis. [2]
Eodem fere tempore Congregatio pro Doctrina Fidei per Commissionem ad hoc ipsum institutam operam dabat diligenti canonum de delictis studio, sive Codicis Iuris Canonici, sive Codicis Canonum Ecclesiarum Orientalium, ad determinanda «graviora delicta tum contra mores tum in sacramentorum celebratione», ad perficiendas quoque normas processuales speciales «ad canonicas sanctiones declarandas aut irrogandas», quia Instructio Crimen sollicitationis hucusque vigens, a Suprema Sacra Congregatione Sancti Officii edita die 16 mensis martii anno 1962,[3] recognoscenda erat novis Codicibus canonicis promulgatis.
Attente perpensis votis et factis opportunis consultationibus, Commissionis opus tandem ad finem pervenit; Congregationis pro Doctrina Fidei Patres accuratius idem examinarunt, Summo Pontifici subiciendo conclusiones circa determinationem graviorum delictorum et modum procedendi ad sanctiones declarandas aut irrogandas, firma manente eiusdem Congregationis Apostolici Tribunalis exclusiva in hoc competentia. Quae omnia ab ipso Summo Pontifice adprobata, confirmata et promulgata sunt per Litteras Apostolicas Motu Proprio datas, quarum initium sumit a verbis Sacramentorum sanctitatis tutela.
Graviora delicta tum in sacramentorum celebratione tum contra mores, Congregationi pro Doctrina Fidei reservata, sunt:

Delicta contra sanctitatem augustissimi Eucharistiae Sacrificii et sacramenti, videlicet:

1° abductio vel retentio in sacrilegum finem, aut abiectio consecratarum specierum;[4]

2° attentatio liturgicae eucharistici Sacrificii actionis vel eiusdem simulatio;[5]

3° vetita eucharistici Sacrificii concelebratio una cum ministris communitatum ecclesialium, qui successionem apostolicam non habent nec agnoscunt ordinationis sacerdotalis sacramentalem dignitatem;[6]

4° consecratio in sacrilegum finem alterius materiae sine altera in eucharistica celebratione, aut etiam utriusque extra eucharisticam celebrationem;[7]

Delicta contra sanctitatem sacramenti Paenitentiae, videlicet:

1° absolutio complicis in peccato contra sextum Decalogi praeceptum;[8]

2° sollicitatio in actu vel occasione vel praetextu confessionis ad peccatum contra sextum Decalogi praeceptum, si ad peccandum cum ipso confessario dirigitur;[9]

3° violatio directa sigilli sacramentalis;[10]

Delictum contra mores, videlicet: delictum contra sextum Decalogi praeceptum cum minore infra aetatem duodeviginti annorum a clerico commissum.
Haec tantum, quae supra indicantur delicta cum sua definitione, Congregationis pro Doctrina Fidei Tribunali Apostolico reservantur.
Quoties Ordinarius vel Hierarcha notitiam saltem verisimilem habeat de delicto reservato, investigatione praevia peracta, eam significet Congregationi pro Doctrina Fidei quae, nisi ob peculiaria rerum adiuncta causam sibi advocet, Ordinarium vel Hierarcham per proprium Tribunal ad ulteriora procedere iubet opportunas normas tradendo; ius appellandi contra sententiam primi gradus, sive ex parte rei vel eius Patroni sive ex parte Promotoris Iustitiae, valide unice manet tantummodo ad Supremum Tribunal eiusdem Congregationis.
Notandum est actionem criminalem de delictis Congregationi pro Doctrina Fidei reservatis praescriptione extingui decennio.[11] Praescriptio decurrit ad normam iuris universalis et communis;[12] in delicto autem cum minore a clerico patrato praescriptio decurrere incipit a die quo minor duodevicesimum aetatis annum explevit.
In Tribunalibus apud Ordinarios vel Hierarchas constitutis, hisce pro causis munera Iudicis, Promotoris Iustitiae, Notarii atque Patroni tantummodo sacerdotes valide explere possunt. Instantia in Tribunali quovis modo finita, omnia acta causae ad Congregationem pro Doctrina Fidei ex officio quam primum transmittantur.
Tribunalia omnia Ecclesiae Latinae et Ecclesiarum Orientalium Catholicarum tenentur canones de delictis et poenis necnon de processu poenali utriusque Codicis respective observare una cum normis specialibus a Congregatione pro Doctrina Fidei pro singulo casu tradendis et omnino ad exsecutionem mandandis.
Huiusmodi causae secreto pontificio subiectae sunt.
Per hanc Epistulam, de mandato Summi Pontificis omnibus Ecclesiae Catholicae Episcopis, Superioribus Generalibus institutorum religiosorum clericalium iuris pontificii et societatum vitae apostolicae clericalium iuris pontificii aliisque Ordinariis et Hierarchis interesse habentibus missam, in votis est ut non solum graviora delicta omnino vitentur, sed praesertim ad clericorum et fidelium sanctitatem etiam per necessarias sanctiones procurandam sollicita pastoralis cura ab Ordinariis et Hierarchis habeatur.
Romae, e sede Congregationis pro Doctrina Fidei, die 18 maii 2001.

+ JOSEPHUS Card. RATZINGER
Praefectus
+ Tharsicius BERTONE, S.D.B.
archiep. em. Vercellensis
a Secretis

Síntese da aula de 12 de Outubro de 2006


No seguimento da última aula onde se abordou a teoria do positivismo jurídico, onde se afirma que só a legislação dada por autoridade é que é direito. “Auctoritas, non veritas, facit legem” (só o que a autoridade faz é que pode ser considerado direito) (HOBBES).
Neste seguimento a aula de hoje abordou uma segunda teoria: Normativismo Jurídico.

Normativismo Jurídico: para esta corrente o direito é essencialmente a norma, entendida como regra e prescrição do comportamento. O mais relevante é pertencer ao ordenamento jurídico, sistema orgânico que recolhe todas as normas ascendentes ou descendentes fazendo referência à norma fundamental (GRUNDNORM) que é o pressuposto indispensável para tornar a norma válida e obrigatória. Não importa tanto o conteúdo da norma, mas a referência que tem ao ordenamento jurídico. O ponto de partida não é a dignidade da pessoa humana mas pretende-se o sistema comportamental. O normativismo jurídico, que remonta ao séc. XVII, tem em HANS KELSEN, austríaco naturalizado americano, o seu maior mentor, com a sua tese da teoria pura do direito. A teoria pura do direito prescinde da moral e das outras ciências e apesar de ter conhecido grandes entusiasmos também foi alvo de severas criticas. Os defensores desta teoria dizem não haver relação entre direito e moral porque as noções de justiça e moral são dinâmicas e não universais e, por isso, cabe ao estado a conduta de fixar o que é universal.

O Institucionalismo Jurídico, segundo os estudiosos, apresenta alguma inovação em relação às duas anteriores teorias (positivismo jurídico e normativismo jurídico). O Institucionalismo Jurídico parte de uma verdade elementar evidente: as leis pressupõe a sociedade, pois a sociedade é anterior à lei e, por isso, pressupõe um conjunto de princípios estruturais e teleológicos, formando o primeiro direito ou direito originário que é distinto do direito positivo. O direito institucional funda a pluralidade de pessoas (sociedade), grupo social e estável que são considerados uma nova entidade orgânica, um todo, chamado instituição. Para esta tese o conhecido axioma traduz-se nos seguintes termos:

UBI IUS (direito institucional)
IBI SOCIETAS (instituição)
UBI SOCIETAS (instituição)
IBI IUS (direito positivo)

O Contratualismo Jurídico Segundo esta teoria o direito é fundamental «relação intersubjectiva, feito de pretensões-obrigações, constituído pelo contrato (encontro-acordo de duas ou mais vontades humanas).
O contrato está assim na origem do direito: funda-o, determina os seus conteúdos, especifica as suas modalidades, estabelece os seus fins, justifica a sua obrigatoriedade. Portanto, ele qualifica a relação inter-subjactiva como «relação jurídica». De consequência, o direito resulta totalmente confiado ao contrato. A teoria contratualista não envolve somente a esfera do privado, mas também a publica ( o Estado, a sua constituição, os seus poderes, os corpos intermédios nascem todos do contrato e actualizam-no sobre o plano da acção). Também o contratualismo jurídico fica ontologicamente infundado e gera um direito arbitrário.
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O realismo Jurídico, proveniente da área anglo-saxónica e escandinava, aponta a sua atenção ao chamado «princípio de efectividade do direito». Segundo este princípio, direito não é a norma positiva abstracta, mas o comportamento inter-subjectivo que a actualiza efectivamente. Por isso, individualizando «o direito nos comportamentos mais que nas normas», esta teoria proclama o direito verdadeiro somente aquele factual, isto é traduzível ou traduzido no «facto», vivido ou vivível, observado ou observável. O direito não factual perde a sua significância jurídica, torna-se pura e inconsistente abstracção. De consequência, a norma jurídica autêntica é um «imperativo independente» do mandamento legislativo; o seu poder de obrigar não lhe vem por aí, mas pelos factores psicológicos intrínsecos à norma, capazes de suscitar —em força da sua pressão interna— a sua observância.
A inconsistência fundante e estruturante do direito própria do realismo jurídico resulta clara: por um lado, abandona-se o direito à fatalidade dos acontecimentos; por outro, entrega-se a obrigatoriedade do direito exclusivamente à pura intrínseca pressão psicológica. O problema ontológica fica assim não resolvido, mas iludido.
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Estas cinco teorias não personalistas que tem a sua força e o seu peso mas desvalorizam, na sua metodologia, a dignidade da pessoa humana. Podemos perguntar se a experiência jurídica faz parte da natureza ou da graça?


FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA DO DIREITO DA IGREJA

O homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Esta relação com Deus, com os outros e com a criação funda a dignidade do ser humano. A comunhão que o ser humano instaura com o outro baseia-se nesta semelhança e imagem de Deus. No documento Gaudium et Spes, nº 24 “o homem é a única criatura que Deus quis por si mesmo”. O homem só se realiza a si mesmo quando aceita as estruturas que Deus inscreveu na sua natureza para se realizar plenamente. É desta dignidade do homem que nasce a sacralidade da vida humana que ninguém tem o direito de lesar. A lesão é efeito do pecado e ao condenar o pecado, Deus afirma que ninguém pode lesar a dignidade do ser humano. Se o homem não respeita o direito do outro, torna a vida impossível. É aqui que reside não só os direitos da pessoa mas também as obrigações.
Cristo exalta a dignidade de cada homem, mas vê todo o homem como pecador. Cristo com a sua Paixão, Morte e Ressurreição restituiu ao homem a sua imagem original, restaura a comunhão com Deus e faz com que o homem se realize em plenitude. O direito humano positivo é uma manifestação do homem e uma vitória sobre o pecado.
No Antigo Testamento não se encontra a noção de direito mas de justiça. Justiça (SEDEQ/SEDAQÂ) que indica a Salvação de Deus. A justiça do homem nunca se pode separar da justiça de Deus, por isso a justiça do homem «encarna» a justiça de Deus. o direito humano não se compreende sem o direito divino porque se o homem não tivesse recebido a justiça de Deus o homem não poderia ser justo.

IUS SUUM de origem grega terá alguma ligação com a justiça de Deus?

Para que o direito humano tenha alguma dignidade deve reconhecer a dignidade do homem como imagem e semelhança de Deus. A justiça de Deus revela-se em plenitude nas Bem-Aventuranças, onde nelas também se resume os mandamentos da lei de Deus e só assim cada um se torna próximo. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A justiça de Deus está na caridade, exclusão de todo o tipo de violência e no amor aos inimigos. A caridade que não acaba é a forma de justiça e a forma da justiça é a caridade.


Luís Freitas nº 713 (5ºano de Teologia)

domingo, outubro 15, 2006

Digesta ou Pandectae


Digesta ou Pandectae

O imperador romano Justiniano, depois de ter recompilado as leis no Codex Justinianeus (528-529), pela constituição Deo auctore de 15 de Dezembro de 530, atribui a Triboniano e a uma comissão de 16 pessoas escolhidas por este, a tarefa de seleccionar os textos jurisconsultos clássicos, ou seja, os Iura, dos juristas possuidores de ius publice respondendi. Esta obra compilatória chamar-se-ia Digesta ou Pandectae.
Triboniano e os seus colaboradores efectuaram esta empresa com tamanha rapidez, que passados 3 anos, mais precisamente no dia 16 de Dezembro de 1933, os Digesta são publicados com a constituição Tanta. A data prevista para a sua entrada em vigor estava agendada para o dia 30 do mesmo mês.
A obra Digesta, que está dividida em 7 grandes partes, é composta por 50 livros que, por sua vez, estão divididos em títulos. Esta última divisão é composta por fragmentos que contem uma inscriptio onde se menciona o nome do autor, o livro e a obra donde se tirou o fragmento. Desde a Idade Media os fragmentos estão divididos em parágrafos.
Para elaborar esta obra foram consultadas obras de 38 ou 39 juristas, nem todos honrados com o título de ius publice respondendi. Contudo, é muito desigual a contribuição destes juristas, uma vez que dos quase 9000 fragmentos mais de 6000 são de Ulpiano, Paulo Papiniano, Gaio e Modestino.
A grande rapidez na compilação do Digesta ou Pandectae fizeram nascer dúvidas sobre qual o método de trabalho utilizado. Bluhme em 1820 veio demonstrar que dentro de cada título do Digesta existem sempre grupos de fragmentos bem diferentes. Assim sendo, Bluhme adiantou a hipótese de os compiladores se terem dividido em 3 subcomissões, cada uma das quais com a missão de escolher os fragmentos que se fossem adequando aos títulos. A crítica posterior, apesar de ter aceite a existência de grupos de fragmentos bem distintos, teve dificuldades em acolher a ideia de que os compiladores justianos trabalharam, directamente, sobre as obras dos jurisconsultos clássicos. Actualmente, acredita-se que grupos de fragmentos bem distintos, provinham já de compilações anteriores, originadas no ensino das escolas bizantinas ou pós-clássicas.

Bibliografia:

ESPINOSA, Nuno – Digesta. In ENCICLOPEDIA luso-brasileira de cultura verbo. Lisboa: Verbo, 1967, vol. 6, p. 1359-1360


Nuno Ventura Martins
210106774

quinta-feira, outubro 12, 2006

Yves Congar


Yves Congar é um teólogo dominicano francês. Nasceu em Sedan a 13 de Abril de 1904 e morreu em Paris em 22 de Junho de 1995. Foi ordenado sacerdote em 1930. Estudou no Instituto Católico de Paris e em Le Saulchoir, onde fez o leitorado em 1931. Leccionou Teologia Fundamental e Eclesiologia em Le Saulchoir, entre 1931 e 1954, e foi proclamado «Mestre em Teologia» em 1963. Criado cardeal por João Paulo II em 1994. Nem sempre compreendido por todos conheceu o «tempo da paciência» em que o grão apodrece para frutificar. O seu esforço teológico, centrado sobre a igreja e sua unidade, foi um real precedente do Vaticano II em que esteve como perito atento e escutado. Os títulos das numerosas publicações sugerem a riqueza e quilate da sua contribuição doutrinal para a igreja de hoje.

Adão - 740

Eugenio Corecco

O monsenhor Eugenio Corecco nasceu a 3 de Outubro de 1931 em Airolo, foi ordenado sacerdote a 2 de Outubro de 1955 em Bodio. Terminados os estudos do básico e do secundário no Seminário, foi enviado pelo monsenhor Jelmini para o Seminário Lombardo de Roma, a fim de frequentar os estudos teológicos na Universidade Gregoriana. Prosseguiu os estudos em Munique da Baviera (onde se doutorou no ano de 1962 em Direito canónico), e em Friburgo (em Direito civil). Em 1969 foi nomeado titular da cadeira de Direito canónico na Universidade de Friburgo. A 5 de Junho de 1986 foi eleito bispo de Lugano e ordenado no dia 29, festa dos santos Apóstolos Pedro e Paulo em Lugano. A 27 de Abril de 1992 fundou o Instituto Académico de Teologia de Lugano, elevado de seguida por decreto da Congregação da Educação Católica a 20 de Novembro de 1993 a Faculdade de Teologia. Depois de doença prolongada, vivida num autêntico testemunho de fé e de amor, morreu a 1 de Março de 1995, no seu quarto do palácio episcopal. O funeral ocorreu no sábado seguinte, 4 de Março, e foi depositado na Cripta do Santuário do Sagrado Coração em Lugano.

Adão - 740

ETIMOLOGIA DE DIREITO

A palavra Direito vem do latim directum, que também deu origem ao português "directo". Directum, por sua vez, era o particípio passado do verbo dirigere que significa "dirigir" ou "alinhar". Para outros autores, a palavra faz referência à deusa romana da justiça, Justitia, que segurava em suas mãos uma balança com fiel. Dizia-se que havia justiça quando o fiel estava absolutamente perpendicular em relação ao solo: de rectum. Em todas as línguas ocidentais, a palavra que designa o direito tem conexão com uma dessas duas etimologias: right, em inglês, Recht, em alemão, diritto, em italiano, derecho, em espanhol e droit, em francês.
O termo direito foi introduzido com o sentido actual já na Idade Média, aproximadamente no século IV. A palavra usada pelos romanos era ius. Quanto a esta, os filólogos não se entendem. Para alguns ius relacionar-se-ia com iussum, particípio passado do verbo iubere, que quer dizer mandar, ordenar. O radical, para eles, seria o proto-indoeuropeu, yu, que significa vínculo (tal conteúdo semântico está presente em várias palavras da língua portuguesa, como cônjuge, jugo, etc). Para outros, ius estaria ligado a iustum, aquilo que é justo, tendo seu radical no védico Yos, significando aquilo que é bom. Esta discussão entre iustum e iussum, porém, é muito mais ideológica do que verdadeiramente etimológica. A linguística histórica moderna é mais consensual quanto à origem da palavra.
Várias línguas modernas usam o mesmo radical para "aquilo que é certo" ou "correcto" e para o direito. Em francês, droit; em alemão, Recht; em espanhol, derecho; em italiano, diritto; em russo, pravo. A situação em inglês é ligeiramente diferente, usando-se law, de origem germânica nórdica, quer para significar lei, quer para direito.

José Miguel Fraga Cardoso
3º Ano, n.º 743

HANS KELSEN

Biografia
Hans Kelsen nasceu em Praga, no então Império Austro-Húngaro, extinto após a Primeira Guerra Mundial, no dia 11 de Outubro de 1881. Foi um dos produtores literários mais profícuos de seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, destacando-se a Teoria Pura do Direito pela difusão e influência alcançadas considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito.
Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu até seus últimos dias e onde exerceu o magistério na Universidade de Berkeley, vindo a falecer nesta mesma cidade californiana. A perseguição intelectual sofrida pelo jurista não foi restrita dos adeptos do fascismo, ele também sofreu severas críticas, todas com fundo ideológico, daqueles militantes da doutrina comunista. Vê-se, pois, que o pensamento de Kelsen não fazia unanimidade. Apesar disso, os princípios fundantes de seu raciocínio jurídico-científico prevaleceram e hoje são respeitados e amplamente acatados, servindo de base para muitas das instituições jurídicas que sustentam o Estado Democrático de Direito.
No campo teórico, o Jurista procurou lançar as bases de uma Ciência do Direito, excluindo do conceito de seu objecto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e axiológico (os valores), que considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da Ciência, tais como da Sociologia e da Deontologia. Assim, Kelsen, por meio de uma linguagem precisa e rigidamente lógica, abstraiu do conceito do Direito a ideia de justiça, porque esta, a justiça, está sempre e invariavelmente imbricada com os valores (sempre variáveis) adoptados por aquele que a invoca, não cabendo, portanto, pela imprecisão e fluidez de significado, num conceito de Direito universalmente válido.
Uma de suas concepções teóricas de maior alcance prático é a ideia de ordenamento jurídico, como sendo um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstracta, pontuada e dominada pela Constituição do Estado, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior (as diversas leis infraconstitucionais e os outros actos normativos). Desta concepção teórica é que se extrai o conceito de rigidez constitucional, o que vem a possibilitar e a exigir um sistema de tutela da integridade da Constituição.
Dentre as inúmeras contribuições do jurista para o mundo prático do Direito, pode ser citada a Constituição da Áustria de 1920, redigida sob a sua inspiração. Sob a influência do pensamento de Kelsen, esta Carta Política Austríaca inovou às anteriores, introduzindo no Direito Positivo o conceito de controle concentrado da constitucionalidade das leis e actos normativos como função jurisdicional ao cargo de um tribunal constitucional, incumbido da função exclusiva de guarda da integridade da Constituição. A partir daí, a jurisdição constitucional pôde ser seccionada em duas vertentes: a jurisdição constitucional concentrada (controle concentrado da constitucionalidade) e a jurisdição constitucional difusa (controle difuso da constitucionalidade). Em que pesem as contribuições de Hans Kelsen para a ciência jurídica, sua produção literária não se restringiu ao Direito sob a perspectiva de uma redução científica. O jurista discorreu, também e proficuamente sobre política, sociologia e religião. Foi um respeitado teórico da democracia.
Caso fosse amplo o conhecimento de sua obra em todas suas vertentes, grande parte das críticas sofridas por Kelsen revelar-se-ia inconsistente, haja vista que é possível extrair, com meridiana precisão, do conjunto de sua produção literária, as diferenças entre o Kelsen jurista científico e o Kelsen doutrinador político, desvanecendo-se, por conseguinte, a crítica acerca ter buscado o Cientista Jurídico Austríaco a pura e simples redução da ideia de Direito a um mero sistema lógico, desprovido de conteúdo.
O que Hans Kelsen buscou, enfim, através da Teoria Pura, foi estabelecer um conceito universalmente válido do Direito, que independesse da conjuntura onde fosse aplicado. E esse escopo foi, em grande parte, alcançado.

Veio a falecer em Berkeley, no dia 19 de Abril de 1973.

Bibliografia

Principais obras do autor:
- KELSEN, Hans, Teoría General del Estado, Barcelona, Editorial Labor, 1934.
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Naturaleza y Sociedad, Buenos Aires, Editorial Depalma, 1945.
-
The Law of the United Nations, Nova York, Frederck A. Praeger, 1951.
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Principles of International Law, Nova York, Reihart and Company, 1952.
-
A Democracia, São Paulo, Martins Fontes, 2000.
-
Direito Internacional e Estado Soberano, São Paulo, Martins Fontes, 2002.
-
Jurisdição Constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003.
-
O Estado como Integração, São Paulo, Martins Fontes, 2003.
-
Teoría Comunista del Derecho, Buenos Aires, Emece, 2003.
-
Teoria Geral das Normas, Sérgio Antônio Fabris: Porto Alegre, 1996.
-
O problema da justiça, São Paulo, Martins Fontes, 1998.
-
Teoria Pura do Direito, São Paulo, São Paulo, Martins Fontes, 2000.
-
Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo, Martins Fontes, 2000.
-
A Ilusão da Justiça, São Paulo, Martins Fontes, 2000.
-
O que é justiça?, São Paulo, Martins Fontes, 2001.

José Miguel Fraga Cardoso
3º Ano, n.º 743